O CARTEIRO ROSANO E UMA TARDE REMOTA

eu mais Ivan Angelo e Caio Fernando Abreu numa tarde remota 
      publicado originalmente no DOM TOTAL .( clique aqui)

Esta não é uma história de Bukowski, mas são “cartas na rua”. Semana passada eu descia a Rua Marquês de Itu a partir do Centro de São Paulo, em direção a Vila Buarque, para conhecer um novo café com uma amiga. Ali, com os meus botões, caminhando, vejo vir em minha direção um carteiro de rosto redondo, olhar simpático, a levar sua pesada bolsa. Ao cruzar comigo parou subitamente e de chofre me fez uma pergunta que nem sempre sei responder:

- Você é o Ricardo? , Ricardo Soares?

Ser o “Ricardo Soares” não é lá grande coisa, mas me dei conta que até onde eu sabia eu era o sujeito a quem ele se referia. E então ele me levou de volta a uma tarde agradável há muitos e muitos anos em uma biblioteca da periferia de São Paulo – não sei precisar onde e nem qual – onde ele, o carteiro, muitos anos mais jovem, acompanhou um bate papo entre o agora lendário Caio Fernando Abreu, Ivan Ângelo e esse que vos escreve. Revelou que aquela conversa com os jovens da periferia lhe calou fundo e que desde então acompanha os meus passos e rabiscos. Com a afirmação Rosano e seu nome peculiar, sem saber, me deu um bafejo de otimismo em um momento que mais e mais me questiono sobre a serventia de escrever, continuar escrevendo ou mesmo de publicar.

Saber a essa altura que uma única tarde na vida de Rosano e na minha deixou uma lembrança tão funda na memória do carteiro me reforçou a convicção – que por sorte nunca desmoronou de vez – de que tudo que é feito em torno da palavra, a boa palavra, deixa “sementes” com o perdão do lugar comum. Pois lá estava, tantos anos depois, o carteiro Rosano a me dizer daquela tarde remota da qual – por coincidência – recebi recentemente uma foto que desconhecia. Nela estou à esquerda, sorrindo, diante de umas plantas que estão sobre uma mesa coberta com uma toalha rendada. No meio da foto me olhando sério e atento está o Ivan Ângelo e à direita sorrindo muito mais e me olhando ternamente está o Caio Fernando Abreu. Mais do que um registro perdido pelo tempo a imagem me traz de volta um jovem escritor que acreditava mais, que talvez sorrisse mais e que tinha grandes expectativas em relação à literatura. O tempo passou na janela e o Caio partiu cedo e, com justiça, virou um ícone de nossas letras. O Ivan tem no panteão literário um lugar de honra por conta do seu “A Festa” e eu sigo aqui, insistindo, sem a menor importância para o cânone ou para os leitores elegantes. Essa observação que faço não tem a ver com nenhuma vaidade, mas com senso de realidade. Conheço o meu tamanho. Pequetito, mas, talvez, “cumplidor” na medida em que tão bem acompanhado como naquele dia na biblioteca da periferia eu tenha causado tão forte impressão ao carteiro Rosano. Uma impressão que pelo que entendi fez com que ele também enveredasse pelo caminho da escrita. Um carteiro – cronista, um carteiro- escritor à guisa de Bukowski.

São por pequenos presentes como esses que talvez eu nunca desista, embora não alimente quaisquer falsas esperanças em relação a grandes tiragens, resenhas, falsos elogios, beijinhos e abraços de curadores que voltam suas atenções para o mercado. Rosano me confessa que está na batalha para publicar os seus escritos, mas considera que no Brasil ninguém lê. Está certo Rosano. Mas isso não quer dizer que você deva desistir. Vai saber se um dia lá no futuro você não cruze por uma rua de São Paulo com alguém que foi tocado por uma palavra ou uma frase sua e escute: “você é o Rosano, o carteiro- escritor?”. Ao que você responderá, cheio de satisfação:

- Sou eu mesmo, às suas ordens.

Nesse momento você vai ter a certeza de que por pior que pareça, insistir na escrita é uma benção. Adiante Rosano e obrigado por tantos anos depois ter cruzado o meu caminho.

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