Como esquecer alguém que se ama

publicado originalmente no DOM TOTAL (Clique aqui )
Por Ricardo Soares*
Como é que se esquece alguém que se ama ?  Belo e espinhoso tema. Não me frustro, antes o contrário, quando um autor  consegue dizer tudo sobre um tema que almejo saber dizer. Assim foi com Miguel Esteves Cardoso ,escritor português, com quem tenho uma curiosa relação, digamos, intelectual. Não o conheço pessoalmente,é bom que se diga, mas lhe louvo a verve, a ousadia , a provocação. Por ele tenho velada admiração desde 1991 quando morei fugazmente em Portugal e convivi com amigos que prezavam o estilo do autor. Li com estupefação e contentamento seu livro "O amor é fodido" e muitas de suas ácidas crônicas.
Miguel Esteves Cardoso não tem similar na mídia brazuca. Seria, grosso modo, um grande mix entre Pepe Escobar, Paulo Francis e Reinaldo Azevedo ? Não , sacanagem , pois Azevedo não serve para lamber as solas das pantufas de Miguel Esteves. Só o citei pela petulância similar com o Miguel.
Pois há pouco mais de dois anos Miguel escreveu um texto primoroso sobre o tema "esquecer quem se ama" . Descobri a pérola faz pouco tempo e queria arriscar umas mal traçadas sobre . O autor português diz, por exemplo :  "Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar".
Esquecer devagar parece o conselho mais comum. Se é que existem conselhos a serem ouvidos quando há amores desfeitos envolvidos. O que parece terrível e Miguel Esteves aponta é que o esforço de esquecer para sempre e de repente uma pessoa pode surtir efeito contrário. Ela pode ficar colada para sempre na gente como musgo em parede úmida. Algo difícil e custoso de remover.
Outro detalhe: quem pretende adiar o luto da perda acaba por vivê-lo por mais tempo e com mais intensidade. Amor desfeito não obedece vontade racional mesmo que o racional nos aponte que o amor desfeito era um equivoco, algo tóxico , inviável .
O problema é cuidar, suportar, cevar a dor para que ela não nos drague. Não falo só em causa própria mas pelo que percebo por relações afora de amigos, amigas e afins. Talvez porque ninguém suporte estar sozinho, talvez porque nos sentimos impotentes por não sabermos lidar com os conflitos das relações.  Ora, pois, elas demandam paciência e até um pouco de obediência  , disciplina e renuncia de ambas as partes. Mas eu não vou ficar aqui dissertando sobre o tema que tanto aborrece sobretudo os homens . As terríveis "DRS" (discussões sobre relações) enfadonhas  e muitas vezes inócuas e redundantes. Ao fim e ao cabo nada vai dar certo se ninguém  transformar a própria persona em nome da persona do casal. Disso sabem poucos como o Miguel Esteves Cardoso. Ou a psicanalista e poeta Maria Rita Kehl que disse um dia que o "amor é uma droga pesada".
Ricardo Soares é escritor, diretor de tv, roteirista e jornalista. Dirigiu 12 documentários e publico 8 livros. O mais recente "Amor de mãe" pela editora Patuá.

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