Nunca quisemos ser Zagallos


Publicado originalmente no DOM TOTAL. (clique aqui)
Ah, senhoras e senhores. Não vou aqui , já passado o limiar do século 21 ,ficar arrastando correntes na tentativa séria, sisuda e formal de tentar escrever um crônica- inventário sobre a minha geração.
A geração que precedeu a minha , com todo respeito, levou-se mais a sério, soube se “vender”melhor. Para o bem e para o mal. Alinhou suas histórias com tintas fortes e pesadas, com tons plúmbeos onde aparecem as muitas agruras do regime ditatorial de 1964, as torturas,os presos políticos, os discursos e divergências ideológicas. Se tudo isso produziu pouca ficção de qualidade é matéria discutível. Mas produziu boa memória, boas biografias, bons registros históricos que no entanto intoxicaram os que vieram logo em seguida fartos dos jargões tantas vezes repetidos. Na verdade muitos de nós nos cansamos dos mesmos mártires e torturados  hoje icônicos de uma época que não devemos esquecer mas que produziu uma infinidade de variações sobre o mesmo tema.
Quero pois me libertar desses grilhões e contar as coisas ao meu modo. Se for uma colagem escalafobética que assim seja. Os tempos também foram assim e não organizados com a parcimônia histórica que a geração que nos precede parece querer impor.
Somos a geração chiclete com banana, a  geração Chacrinha , a geração que juntou National Kid com o “Vigilante Rodoviário” que mesclou Rubem Fonseca com o clã Marvel , que mixou Stones, Tropicália, Luiz Gonzaga, Led Zeppelin e Chico Buarque com Novos Baianos , Jorge Bem e Jorge Mautner.
Muitos poetas desfolharam as nossas bandeiras , fomos “Mutantes” em busca da identidade , fugimos da vaia com Tim Maia. Ali ,senhoras e senhores, levantamos estandartes vermelhos e ,crianças, nos cobrimos de verde e amarelo no gesto sincero do tri no México 70. Quisemos ser Jairzinho , Pelé, Tostão , Rivelino, Carlos Alberto... mas nunca, nem crianças e nem adultos quisemos ser Zagalos.
Não nos cobrem coerência pois somos o subproduto cultural da mistura do cinema novo com Mazzaropi, da pornochanchada com Rogério Sganzerla. Gravitamos do oráculo dos poemas concretos ao “Poema Sujo” de Gullar e assim buscamos um lugar além da rima óbvia. Copacabana misturada com  Brasília, Vieira Souto com  Santa Cecília , tudo para  tentar contar a história de outro jeito. 
O jeito daquilo que se passa acima e abaixo do Minhocão, o jeito daquilo que se passa fora e dentro do Circo Voador,dos exílios voluntários e involuntários daquele sismo histórico que funde Allende com Tancredo, Videla com Franco Montoro, Brizola com Pinochet, Darcy Ribeiro com moral e civica , Sambódromo com parada militar. O sabor e o dissabor da contradição. Isso talvez defina aquilo que fomos. Isso talvez defina o que somos. Por isso não me cobrem uma história reta, ereta,linear. Não tenho capacidade para isso.
Ah, senhoras e senhores. E mesmo que nada disso esteja certo que tudo isso seja uma desculpa ou justificativa para a miscelânea só posso lhes responder que sou um homem sincero e só assim , sinceramente, sei fazer nesses tempos horríveis onde tanta gente nefasta clama por ditaduras .
*Ricardo Soares é diretor de tv, roteirista, escritor e jornalista. Publicou 8 livros e dirigiu 12 documentários.

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