JORNALISMO CULTURAL : QUANTO PIOR MELHOR ?
JORNALISMO CULTURAL . APENAS UMA ABORDAGEM
“Não é triste mudar de idéias, triste é não ter idéias para mudar”. A frase do esquecido e sarcástico Aparício Torelly, o Barão de Itararé, ele próprio , de certa forma, um precursor do jornalismo cultural, ilustra bem o que tenho a dizer sobre a prática jornalística que gravita ao redor dos assuntos culturais.
O que penso hoje do jornalismo cultural de mídia impressa, sobretudo o que é feito nas revistas, é muito diferente do que eu pensava no início de minha carreira. Hoje acho triste especialmente que não tenhamos idéias a mudar como temia o Barão de Itararé. O jornalismo cultural parte de falsas premissas, pratos feitos e já servidíssimos pelo mercado, preconceitos. Está muito mais ligado a marketing cultural do que a jornalismo cultural. Ou seja :divulgue-se bem e fique bem na fita. Por isso os assessores de imprensa, consultores e personal bullshits se tornaram tão primordiais.
Não quero aqui dar uma visão rancorosa e nem truculenta do que está acontecendo até porque existem exceções às regras. Mas , no caso, são poucas. Até porque boa parte dos jovens profissionais que ingressam no mercado nesse segmento não seguem a brilhante premissa do professor, escritor e antropólogo Darcy Ribeiro que dizia : “ Jovens duvidem !”.
Isso posto quero dizer a vocês que aqui estou para de certa forma desafinar o coro dos contentes. Dizer que pouco, muito pouco do que se produz em cultura no Brasil está nas páginas culturais das revistas. Pouco ou muito pouco é pautado pela qualidade. Pouco ou quase nada reflete o que de fato está acontecendo culturalmente nos quatro cantos do país. Isso sem contar a catastrófica e triste colonização cultural que nos fazem crer que somos uma sucursal do Soho novaiorquino quando não passamos de uma colônia chicana pra os gringos que mal e mal conhecem nosso carnaval e futebol. Nos atribuímos uma importância que não temos de dentro pra fora e de fora pra dentro macaqueamos qualquer novidade que vem de fora abrindo muito mais espaço para uma banda de garagem londrina ou um escritor dinamarquês do que os produtos locais.Defender a cultura brasileira nas páginas das revistas brasileiras que falam de cultura não se trata de xenofobia e sim de levantar nossa auto- estima. Não seremos mais pródigos ou mais civilizados se soubermos de cor os programas de ópera de fora ou as novidades da Broadway e não soubermos quem foi Artur Azevedo, Mário de Andrade, Campos de Carvalho, Rosário Fusco, Nise da Silveira, José Agripino de Paula, Valêncio Xavier e Luis da Câmara Cascudo. Isso para citar poucos nomes mas que de alguma forma representam transgressão e brasilidade. Produtos culturais em estado bruto que só poderiam vicejar no Brasil.Dou apenas uma rápida passada no escritor e folclorista Luis da Câmara Cascudo que tendo nascido e vivido em Natal, Rio Grande do Norte, construiu uma das mais importantes obras de identidade nacional, uma obra universal. Muitos defendem que Cascudo , quando se debruça em questões culturais, foi um pioneiro do jornalismo cultural não só pelo tema que escolheu como pela maneira como a qual escrevia sobre o assunto.
No blog do escritor e jornalista potiguar Franklin Jorge ele conta o que Cascudo fez em 1934...
Experiente no ofício que abraçou aos dezoito anos, Cascudo está incluído entre os precursores do jornalismo cultural, ao evidenciar em seu livro ( Viajando o Sertão)aspectos característicos do gênero, segundo a posterior classificação de Tom Wolfe, um dos criadores do chamado Novo Jornalismo que surgiu em Nova York e contaminou a imprensa moderna a partir de 1960. Um jornalismo dominado “por uma esmagadora necessidade de fazer parte do mundo real”, que o levou a realizar uma espécie de autópsia social, histórica e etnográfica, ao exigir-lhe o exercício do pensamento e uma intervenção direta no processo da entrevista.
Em “Viajando o Sertão”, o livro mais revelador do processo de trabalho de Cascudo, mostra-nos o repórter em ação e não o intelectual de gabinete, atrás de um birô, sem contato direto com o objeto de sua escrita. Medularmente jornalista, formado na escola do jornalismo desde os dezoito anos, quando o pai o presenteou com um jornal – A Imprensa –, Cascudo ia em pessoa à procura dos fatos, antecipando-se aos manuais do jornalismo moderno. (...)
Em seus textos jornalísticos exercita Cascudo — avant la lettre — alguns característicos do New Journalism, o jornalismo cultural por excelência. Um jornalismo, digamos subjetivo, em oposição ao jornalismo objetivo que terá inspirado a Nelson Rodrigues a paradigmática figura do “idiota da objetividade” – um vulgar portador da informação desprovida de conhecimento.
Comentários
Pois é, o "complexo de vira-lata"...aquela história "é do exterior, é de qualidade".
Mas eu gostei mesmo disso aqui:
"pouco, muito pouco do que se produz em cultura no Brasil está nas páginas culturais das revistas. Pouco ou muito pouco é pautado pela qualidade."
Eu juro que não ia fazer alguma referência à política, mas não tem jeito: a "grande imprensa" se espanta com a popularidade do Lula porque não vai ao sertão, não dialoga com o interior do Brasil, enfim, faz um jornalismo apenas para um grupo muito restrito. Com a cultura é a mesma coisa. Tem muita coisa boa acontecendo por aí, muita gente que tem o que mostrar e com qualidade - e dificilmente sabemos. A divulgação é na base do "boca a boca" mesmo.
Mas deve rolar uns jabazinhos, né, Ricardo?
abs!
Teu texto, como sempre, é um presente para entender a cultura brasileira.