Terno e eterno olhar oriental
Terça feira última. Metrô de São Paulo. Vagão nem cheio, nem vazio. Estou de pé e súbito olho para um casal abaixo de mim sentado no banco. Orientais, com certeza japas legítimos e me pergunto se vindos de Fukushima, Hiroshima, Nagóia, Tóquio ou de que ilha ao redor daquele mar de tsunamis.
O casal tem idade avançada mas tem uma dignidade que lhe rejuvenesce. Ela com uma discreta blusa azul escura estampada , calça escura, bolsa ao colo, um óculos discreto que lhe confere uma elegância quase nobre. Ele de boné antigo,marrom escuro, aqueles que os “tiozinhos” usam. O resto de seu vestuário modesto é um exemplo de combinação e discrição da qual jamais fui capaz. Tudo no senhorzinho japonês orna.
Assim , num quase rito de silêncio, os dois permanecem lado a lado e ele abaixa a cabeça inúmeras vezes, suspira leve, ofega suave. Como se uma dor incômoda – que ele enfrenta com dignidade- lhe corroesse por dentro. Apóia com força suas mãos no colo , como se as comprimisse contra as coxas. Percebo então que na sua mão direita só tem dois dedos e me pergunto como teriam sido ceifados seus outros três . Lavoura ? serra? Torno ? aqui ou no Japão ?
O metrô segue chiando, apitando em cada chegada e saída de uma nova estação e o moto-contínuo de uma dor velada do senhorzinho japonês é sempre acompanhado do olhar terno, seguro, maternal, lancinante que sua companheira ao lado lhe lança durante todo o trajeto. Ele parece não perceber mas sabe, intui , deve ter certeza há muito tempo que é o destinatário de olhar tão poderoso. Quiçá merecedor. É um olhar de doce mistério da vida, um olhar de “não se aflija porque sempre estarei do seu lado”.
Uma cena assim, um olhar assim por certo máquina alguma – digital ou analógica – pode captar. Eu ,tentando agora descrever a cena, sei que também falho pois palavra alguma é capaz de traduzir o que nessa terça –feira dentro do metrô eu enxerguei. Simples como a brisa que passa entre as cerejeiras ao pé do monte Fuji, simples assim, eu enxerguei ali o que o esoterismo batiza de “almas gêmeas” ou ainda de como nossos olhos podem nos ensinar lições pueris se não perdermos o poder de observação que parte a partir do coração.
Ricardo Soares – 18 de agosto de 2011
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Abração e parabéns pelo texto