CENTRO VELHO DE SÃO PAULO
Chove. Não estava previsto. Muito menos quando cheguei ontem ao centro velho de São Paulo a procura de uma locação imprevista para um filme que jamais farei.Sequer um documentário que é minha praia. Chove e me abriguei sobre velhas marquises, olhei de jeito atemporal para as pessoas que comigo cruzavam. Bezerros mansos e molhados a olhar o movimento das guardas municipais e de camelôs que corriam dos pingos da chuva.
Tudo mesmo imprevisto. Meu destino no começo de tarde era outro.Um compromisso cancelado no Itaim Bibi. E me vi diante de uma rota alterada a vagar por lembranças que tive e que não tive nas cercanias da Praça da Sé, Praça do Correio, Vale do Anhangabaú. Subi ao edifício Martinelli e vi a casa do comendador lembrando sempre do saudoso escritor Marcos Rey . Olhei com ternura os deserdados do centro e segurei com ternura a mão amada que me amparava. Não me senti solitário mas sim solidário à tanta incerteza que vaga pelo centro velho de São Paulo.
Não vou azedar o pastel e nem o gostoso virado a paulista que comi pertinho da Bolsa de Valores. Por isso não falarei do nosso insípido prefeito atual e nem de suas inodoras ações vazias de conteúdo, sentido ou humanismo. Considero que ele é transitório como tudo o que se passa nessa cidade de milhões de almas que eu tanto odeio porém amo.
Por mais que eu negue me senti tão paulistano quanto o virado que eu comia, quanto o céu cinza que vislumbrava o feio horizonte do parque Dom Pedro. Pensei enfim que era só uma questão de karma eu estar ali , naquele agora.Sei que nada sei, sei que lembrei do incêndio do edifício Joelma que eu vi de longe e sei que recordei meu avô , bêbado e feliz , a transportar pacotes e guloseimas para a então remota Vila Olímpia a partir do ponto de ônibus que havia na Praça das Bandeiras. Sei que lembrei dos meus diários trajetos pela ladeira general Carneiro e só de noite uma notícia me fez recordar de que o Teatro Municipal que espiei à tarde "comemorava" exatamente ontem os 90 anos da Semana de Arte Moderna sobre a qual nunca param de falar.
São Paulo , apesar dos pesares, continua a ser a "comoção da minha vida" tal qual evocava a expressão de Mário de Andrade. Continua a ser paradoxo, contradição, feiúra e clichê. Mas seu centro velho no qual não enxergo futuro faz com que eu sinta que o presente ali não exista. É hoje apenas uma feia e espessa fenda para o passado. Que fica ainda maior num dia de chuva quando me sinto o mais ingrato e superlativo dos paulistanos.
Comentários
Jorge -Miltextos- meu bom e velho amigo. E a "sua" Brasília a beleza oca sobre a qual, modestamente, já me debrucei...e sempre , as duas cidades,alimentarão nossas futuras prosas...aquele abraço
Gostei muito dos textos
abraços
poetadapaulista.com.br
Acho que vou voltar mais rápido do que eu achava... todo por seu poema :)