Fawcett, Henderson e as nossas sombras
As filosofias,de botequim ou não, sempre nos dão conta da eterna busca do homem atrás de si mesmo. Muita teoria de academia já foi produzida nesse mundão de meu Deus e muito dela as vezes não dá conta de deixar claro o que os livros não acadêmicos podem fazer com mais eficácia.
Eu mesmo que vivo correndo atrás das minhas sombras confesso que por vezes tenho dificuldade em achar publicações que expressem com nitidez essa busca dos homens (e mulheres) atrás de si mesmos. Não vou nem me ater à lamentável literatura de auto-ajuda, esse desvio de caráter da palavra que engana tantos corações e mentes. Vou falar de outra seara, algo do tipo o clássico " O Estrangeiro" de Albert Camus. Esse soube como poucos manifestar esse tal estranhamento do homem diante de si mesmo. E num livro curto e grosso.
Eis que do final do ano passado para o comecinho deste dei de cara com dois livros (um de ficção outro de não ficção) que me deram em doses elevadas aquilo que inconscientemente procuro. Por motivos e caminhos distintos me encontrei com dois livros perturbadores que retratam bem os caminhos e descaminhos de homens atrás de si mesmos.
Um desses homens é "Henderson,o Deus da Chuva" que é o nome de um notável livro de Saul Bellow. O Henderson do título é um tipo apaixonante,espremido sempre entre a escrotidão e a generosidade.
Um paradoxo ambulante que literalmente se perde numa África profunda e remota atrás de um eixo para a sua vida que avança tempestuosa entre os dilemas da meia idade. Ele é capaz de gestos admiráveis e repugnantes. Ele parece estar pouco se lixando para o resto da humanidade ao mesmo tempo que se preocupa por ter magoado muitas pessoas. Um tipo sem a menor coerência como deveriam ser todos os artistas nesse mundo certinho, engavetado em prateleiras do politicamente correto. Henderson é ficção muito da bem feita mas tem semelhanças incríveis com um personagem real retratado de maneira competente por David Grann em "Z A cidade perdida".
O protagonista de "Z" é o lendário coronel Fawcett desaparecido nos idos de 1925 em algum grotão entre Barra do Garças (MT) e o atual Parque do Xingu, ou quiçá, quem sabe ali nas cercanias da Serra do Cachimbo no Pará. É um personagem que já inspirou muita gente que escreveu e procurou por ele em frustradas expedições e que poderá ser retratado no cinema pelo galã Brad Pitt que comprou os direitos de "Z".
Fawcett como Henderson, o Deus da Chuva, vivia a procura não apenas de Z, a cidade perdida, ou de mundos subterrâneos e civilizações extintas. Fawcett corria atrás de si e o fez parece que com maior força na crise da meia idade como faz crer o relato de Grann. O coronel de fina cepa inglesa sumiu com um filho e o amigo deste quando tinha 58 anos de idade.
Estive bordejando no fim de dezembro e começo de janeiro um pedacinho dessa região belíssima e ainda não inteiramente devastada por soja e gado onde Fawcett sumiu. Confesso que senti como poderosíssima a energia da região e mais não falo. Ali as montanhas te submergem e fica mais clara a impressão densa , espessa que fez talhar o sangue de Fawcett e Henderson. Como acharmos a nós mesmos independente da faixa etária ? Pelo sim , pelo não, eu cavalgo a interrogação até porque navego também nas corredeiras da meia idade. Meio Henderson, meio Fawcett em busca de minha "Z" particular.
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Um abraço!