DA FILOSOFIA DAS MUDANÇAS:GEOGRÁFICAS OU NÃO
Última
visão de algumas lindas árvores vistas de uma janela brasiliense. Última visão
de uma “zungueira” ( vendedora) de peixes desde uma sacada em Luanda. Lá no
fundo da paisagem vê-se a bandeira de Angola pendurada sem se mexer pois não há
vento. Última visão dos fundos do Morro Chapéu Mangueira, Leme, Rio de Janeiro
em dias sem tiros e sem assombros. Uma mulher serena pendura roupas num varal.
Dois personagens que tiveram importância
em minha vida profissional e que estão de mudança ( um para o Rio,outro para
Lisboa) colocaram suas pontuais e precisas impressões sobre mudanças em uma
rede social e me fizeram pensar um pouco mais sobre as mudanças ( de casas
mesmo) e suas conseqüências. Não estou autorizado a divulgar o nome desses
personagens e acho que mesmo se tivesse autorização não divulgaria para não
lhes criar constrangimentos porque minhas impressões são pueris,
circunstanciais, movidas pelo calor dessa hora mormacenta de um dia de inverno.
Tudo anda tão impreciso, até as
estações do ano .
O que vai mudar para o Rio está doando
cabides. E compara as mudanças a incêndios. Como se sabe não se conseguem
pendurar lembranças em cabides muito embora eu tenha minhas dúvidas. Não
consigo me desfazer de um consistente cabide de muitos anos da jurássica e
extinta loja “ A Exposição” que pertenceu a meu falecido pai em tempos idos.
Imagino que pelo estado quase impecável do cabide ele tenha ali pendurado
alguma peça valiosa do seu guarda roupa tão modesto. Mas o personagem que muda
para o Rio nos mostra as fotos dos cabides que quer doar e eles me parecem
impessoais. Não sei se dói a mudança para essa pessoa mas creio que ele tenha
embutido entre os cabides uma certa melancolia.
Quanto ao que vai para Lisboa olha com
saudades para as árvores copadas do Alto de Pinheiros. Que serão diferentes, a
ver, das árvores com as quais vai conviver na capital de Portugal. Diz ele que
“o que há de curioso nas mudanças
é ver que tudo passa. O senso de propriedade é uma ilusão, moramos ou
somos "morados" pelas casas que passam pelas nossas vidas? A memória
não cabe numa caixa, é o que percebo deste dia de mudança”. Preciso o que
escreveu e ainda me lembro de um providencial plástico de colar em vidro que
comprei ontem no templo budista Odsal Ling, em Cotia , São Paulo, que diz : “ Isto também vai passar. Tudo é
impermanente”. Dentre tantas lições do budismo, com o perdão da rima, essa me
parece é mais contundente. A impermanência. Da paisagem, das situações , das
pessoas em nossas vidas. Sejam elas do bem ou do mal.
Ver os personagens desse texto mudando
de cidades, mudando de vida e , por conseqüência, mudando por dentro me dão um
alento e um consolo. O alento é que tenho certeza de que será melhor para eles.
O consolo é porque vejo que não apenas eu destilo melancolia quando mudo de
lugar.
Curiosamente esses dois personagens que
agora mudam de cidade foram responsáveis por mudanças geográficas em minha
vida. A convite de um deles fiquei três
meses em Manaus no começo dos anos 90 e depois mais um tempo na capital do
Maranhão. A convite de outro passei ano e meio em Brasília e graças a isso pude
conhecer melhor a cidade e deixar de ter minha eterna má vontade com a capital
do país. Mas isso é assunto para outra prosa.
Quisera eu , entrado nos 50 e tantos,
escritor bissexto de meia idade, ter a habilidade de um Paul Auster ou de um
Philip Roth para tratar com maestria as questões de memória, mudanças
geográficas ou não. Sem dramatizar não sei lidar bem com isso e nem descrever
as ondas internas que me provocam as lembranças de outras plagas onde não mais
existo e nem mais habito. A pele que
habito hoje será dia desses deixada de lado. E com a nova pele rogo ter
relações novas que deixem longe mágoas
do passado ou emoções truncadas.
Esses personagens que agora mudam de
cidade e para os quais olho com ternura também me ajudam, sem saber, a
enfrentar as minhas próprias mudanças.
São sujeitos que se deram bem na vida profissional e muitas vezes
tentaram ( por vezes conseguiram , por vezes não) transmitir impressões de
rochas inquebráveis a liderar seus comandados. Cá do meu lado comandei e fui
comandado. Acertei e fiz errado. E
assim como nas mudanças erros e acertos talvez não caibam em caixas de papelão.
Levamos algumas conosco mas no trajeto algumas dessas queixas e lembranças podem se romper, podem ser danificadas,
podem tomar água. E então elas encolhem. Eu encolhi e estou recolhido. E não me
faço de rogado em expor isso aqui pois afinal do que se trata a internet senão um
enorme confessionário público? Não lhes peço a absolvição, a remissão dos
pecados e nem punição. Peço apenas que se me lêem o façam com boa vontade.
Relembro que como diz o personagem que vai mudar para Lisboa “ moramos ou somos "morados" pelas
casas que passam pelas nossas vidas?”. O raciocínio poderia se estender a tudo
mais : moramos ou somos morados por nossas recordações ?. Só sei que com tudo isso não creio estar em
busca do tempo perdido mas em busca do tempo achado entre tantas gangorras,idas
e vindas, chegadas e partidas. No mais a gente escreve também por conta das
motivações externas. Do lado direito de onde escrevo tem uma porta fechada.
Quando aberta ela mostra duas paineiras imensas que começam a brotar de novo em
meio ao lindo fim de tarde de sol. Foram trazidas dentro de latas velhas de
tintas quando ainda eram apenas
mudinhas. Hoje crescem a olhos vistos. Metáfora mais explicita e óbvia
que essa impossível. Tenham todos boas mudanças, quaisquer que sejam, durante o
período de vossas vidas.
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