OS ADULTOS SÃO CRIANÇAS MORTAS
Os adultos são crianças mortas e isso para mim é o mais desolador, o
mais assustador. Aquele gordo desengonçado que dança com a filha pequena
levantando involuntariamente a saia da criança também foi , um dia, uma criança.
Gracioso mas já desengonçado ele foi
uma criança cheia de vontades e medos e seus olhinhos acuados de aprendiz do
mundo não podiam dar a idéia de que no futuro fosse se tornar esse adulto insípido, sem sal e sem graça que agora dança com sua filhinha na pista de dança de uma churrascaria rodízio.
O gordo semi calvo e sem jeito tem uma profissão anódina,
numa empresa anódina de patrões anódinos. Adora encostar a pança nua num balcão
de sua cozinha todos os domingos para preparar o gorduroso e suculento almoço
da família . O ritual consiste num aperitivo de entrada que invariavelmente é
uma batida de caju ou uma caipirinha de carambola. Gordo serve salame para a
família junto com os aperitivos . Recebe aos domingos o Gordo pai, a Gorda mãe,
alguns Gordos irmãos e cunhados e
gordos e irritantes sobrinhos meninos. Seu Gordo filho fica no quarto e apenas
a graciosa filhinha que é magra flana entre os convidados a dividir historinhas de vida e exibir a
boquinha banguela .
Gordo serve o almoço e gosta de dar gargalhadas com piadas
homofóbicas e papos velhos e furados sobre futebol, Palmeiras, macarrões e
escalações do passado. A vida de Gordo é um eterno tédio quebrado aos domingos.
De longe se você vê o Gordo vai entender porque os adultos são
crianças mortas e talvez entenda onde e porquê eles perderam a graça nessa rápida
caminhada entre o nascimento e o ocaso da existência. Nas noites de domingo
Gordo toma chá e recorda . Lembra da criança, graciosa como a filha, que um dia
ele foi . Não compreende sequer a dimensão do seu desamparo e daí aumenta a sua coleção de carrinhos de
metal. Estaciona numa garagem imaginária
seu caminhãozinho de bombeiro e
finalmente se dá conta que , infelizmente, todo adulto acaba por ser um dia uma
criança morta.
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