LEVANTANDO A PONTE LEVADIÇA
vitrais da igreja de Saint Eustache, Paris. |
LEVANTANDO A PONTE LEVADIÇA
Sigo, manhãzinha dominical adentro, como se três meses não houvessem se
passado. Mas passaram. Esquinas de Londres, passagens cobertas de Paris, trens
e subúrbios estrangeiros e me dou conta que muitas vezes quem está
pretensamente do nosso lado não nos conhece.
Faz
frio nessa história. Talvez garoe um pouco e algumas palavras em francês
respinguem. Mas é domingo e vitrais de
igrejas muito antigas resplandecem. Um dia ainda vai nascer depois do outro, as
pontes e estações ferroviárias ainda vão
acolher tantas lembranças que gerações lá na frente hão de recordar dias e noites onde seus avós se conheceram.
Um
rio passa embaixo da cidade onde vivi três meses. Na verdade a corta como outro
rio que corta a cidade onde nasci e ao redor da qual um escritor que admiro fez
uma longa meditação onde falava de primaveras arlequinais, chapéus, chaminés e
fósforos. Ou talvez falasse de só algumas dessas coisas mas isso não importa.
Importa que eu ainda lembro e ainda não perdi as esperanças de esculpir nas
palavras um futuro como se minhas palavras fossem importantes como as sílabas
católicas de Adélia Prado.
Aí,entre igrejas e vitrais europeus, surge de novo a fé. Aquela na qual
não creio e aquela em que remotamente acredito, perdida entre carrinhos de
pipoca e bexigas vermelhas esvoaçantes. Não creio quando devia crer. Não aposto
quando ainda deveria jogar. Os carros correm nas marginais apesar dos radares
que deveriam inibir os suicidas. São Paulo está mais feia e mais quente do que
nunca. Ou são apenas os meus olhos que não delimitam mais aqui cenas bonitas?
Há cúmplices em nossas vidas. Mas agora eles não estão diante de mim . Uma
delas,uma cúmplice, sim reaparece mas na verdade nunca desapareceu. Ricocheteou
mas nunca sumiu , sempre estendendo as mãos muito mais para ajudar do que para
ser ajudada. É cúmplice de longa e extenuante jornada onde sempre buscou forças
para si e os que precisam. Como uma mulher num castelo medieval levantou por muito tempo a ponte
levadiça para o amor . Mas eis que numa véspera de domingo você descobre
encantado que a cúmplice baixou a ponte, baixou a guarda e deixou entrar um
Quixote em seu castelo. E você torce
sinceramente para que ela erga com ele moinhos muito mais sólidos do que os de
vento. Porque eles merecem e o mundo, nossas cidades, nosso quarteirão, o ponto
mais minusculo do coração precisam disso : amor.
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