Brumas, anos 70 e Reca Poletti
BRUMAS , ANOS 70 E RECA POLETTI
Entre brumas que não são de Avalon, brumas sem glamour, brumas de pós
chuva e de tempos quentes, brumas reais e metafóricas pós um susto cardíaco eu “zanzo”
entre uma sonolência de começo de tarde e pedaços esparsos de livros e trechos
de tempos diversos empilhados ou espalhados no meio escritório.
Uma
sensação de tempo que não passa mesclada a sensação do tempo que passou demais
me joga nos braços daquilo que poderia ser desalento mas não é. A não ser que
memórias sejam desalento como nos ensinou Pedro Nava, um mestre do gênero. De
Nava pouco li mas o suficiente para saber que nunca, jamais, poderei chegar
perto dele. Daí que me conformo com memórias miúdas e rasteiras que talvez
nenhum ou parco interesse tenham para os que chegarem no futuro.
Diante
de Nava e dos “monstros” do memorialismo volto meu retrovisor para o final dos
anos 70 e dou de cara com a poesia de Reca Poletti minha então poeta preferida
que tomava parte do grupo “Sanguinovo” que abrigava também poetas como Touchê e
Marise Pacheco. Se esses nomes não lhe dizem nada deveriam dizer pois tomaram
parte de uma época muito interessante e pouco escrita e estudada já que para a
posteridade o “fenômeno” da tal “poesia marginal” ficou circunscrita aos
achados e perdidos do grupo “Nuvem Cigana” que era muito bom de marketing mas
não necessariamente o melhor em conteúdo. Em São Paulo, é sempre bom lembrar,
haviam grupos como o já citado “Sanguinovo”, o “Pindaíba” e o “Poetasia” do
qual tomei parte. A maioria dos poetas que atuavam nesses grupos se aposentou
ou ficou pelo caminho seja por falta de talento, seja por não saberem se
promover ou se reciclar. Me incluo sem lamúrias nisso.
Pois
antes que eu faça um inventário do que foi esse tempo ( que teve ecos em outros
grupos de poesia em Bauru, Santos e outras cidades) é preciso dizer que nunca
mais vi ou li Reca Poletti até que o “milagre” (com efeitos colaterais negativos) Facebook me
trouxe a poeta de volta. Trocamos mensagens mas não nos vimos mais . Não tive tempo de perguntar a ela , por exemplo, se largou a poesia, se não
produziu mais , se deletou de sua memória e história pessoal os tempos do “Sanguinovo”.
As
brumas citadas acima amarradas no torpor de uma tarde de sexta – feira fizeram
com que eu achasse entre os meus
guardados uma velha e manchada revista “Escrita “ de 1983 onde além de uma
resenha do primeiro livro de Reca ( “Numas” de 1979) encontro textos de gente
querida cuja letra e lógica me acompanharam toda a vida. De Márcia Denser a
Silvia Simas , de Wladyr Nader a Roniwalter Jatobá passando por Beth Lopes e o
falecido e querido poeta Roberto Piva. Ver e ler coisas que poderiam soar
antigas mas se mantem atuais fez com que eu divagasse nessa tal citada “bruma
da memória” para mim benéfica ainda mais nesses tempos de “abismo da
superficialidade” onde o que resta de uma mídia capenga e alquebrada trabalha
com o ignaro conceito de que poesia é chata, poesia não vende e demais chacotas
de quem nunca leu poesia sequer de qualidade média.
Não
tenho a menor pretensão de aqui fazer uma análise da poesia de Reca Poletti ou
da poesia daquele tempo. Apenas quero dizer que ela ainda me soa agradável, seja
ou não datada. É como provar de um remoto sabor do passado que nem parece tão
passado assim. Algo como lembrar do gosto e do aroma do Ginger Ale ou da
Cerejinha.
A
história dos grupos poéticos dos fins dos anos 70 jamais foi escrita. E talvez
nunca seja. Seja por desinteresse ou desinformação dos acadêmicos, seja por
falta de iniciativa dos seus protagonistas. Eu mesmo, por medo de ser tomado
por cabotino, nunca quis entrar nesse cipoal . O problema disso é que por essa
lacuna muita gente deixou de ter contato com alguns dos autores aqui citados e
outros mais como Juvenal Neto, Ulisses Tavares, Aristides Klafke, Celso
Alencar, Luis Avelima e vários. A lacuna permanece e fica a imprópria
impressão de que “poesia marginal” foi apenas o que a “Nuvem Cigana” e carioca
fez com sua irreverência e seus bardos como Chacal e Charles. Sorte deles ,
azar o nosso. E nessa afirmação nada vai de bairrismo ou despeito ,
sinceramente.
O
poeta que fui continua respirando envergonhado nas gavetas repletas. Se não me
animo a publicar ficção que dirá poesia, essa mercadoria maldita. Talvez esteja
poupando todos de mais má poesia da qual o país está cheio. Temos mais maus
poetas que maus leitores de poesia. Mas essa é outra prosa. O que aqui quis
dizer é que trancado num escritório num torpor de sexta- feira, entre as
entrevistas de Truffaut com Hitchcock mais a paixão de Henry Miller e Anais Nin
mais contos seletos de Machado de Assis e escritos do uruguaio Onetti esbarrei
de novo em Reca Poletti e suas tiradas tão anos 70 do século passado. E
descobri que além de me sentir paleolítico após um infarto tenho vontade de
contar um pouco mais sobre os estilhaços daquele tempo nessa hora e vez de um
país que de tão sem memória que está anda cortejando a ditadura e todas as suas
nada poéticas mazelas. Não sei se me atrevo...
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