HOMO VIDENS CABOCLO
Vou começar hoje com uma provocação que é, de certa forma, uma homenagem ao saudoso Antonio Abujamra e seu finado "Provocações" lá na tv Cultura. O tema, para também homenagear Abujamra, é a televisão nossa de cada dia, cada dia mais decadente, abjeta, dispensável.
O tema é televisão e um dos seus ícones brasileiros, Jô Soares, sempre disse crer que ela não fosse capaz de incentivar a violência ou mesmo gera-la. Essa foi uma das muitas estultices que verbalizou nos muitos anos em que esteve à frente de seu inócuo talk-show que muitos lamentaram ter acabado e que, convenhamos, não deixará saudades por motivos muitos. Essa é a boba provocação dessa crônica, mas não o tema dela e sim o conceito do Homo Videns lançado já há algum tempo pelo pensador italiano Giovanni Sartori que teoriza acerca da nova espécie humana que teria derivado do Homo Sapiens.
O tema me veio à mente após ler um artigo que Carlos Juliano Barros – jornalista, documentarista e mestre em Geografia Humana – escreveu para a revista do SescTv onde o próprio Sartori é citado num contexto que avalia o impacto da tecnologia sobre as nossas vidas. Nisso incluso, obviamente, a televisão e o audiovisual como um todo.
É estarrecedor como a humanidade se estupidifica todos os diante dos seus computadores e smarthphones não despregando o olho da telinha fartando-se, sobretudo, do cardápio nefasto do audiovisual que paradoxalmente poderia prestar um baita serviço a educação no mundo, mas não o faz por conta dos interesses bilionários da tal "indústria cultural".Nessa linha o audiovisual, infelizmente, que poderia ser usado como difusor das políticas de promoção dos direitos humanos e de igualdade veio, na mão contrária, abrigar toda uma lamentável fauna de retrógrados e ignorantes que confundem, por exemplo, programas como o proposto (e enterrado) "Escola sem Homofobia" com "apologia à homossexualidade". Carlos Juliano aborda isso em seu texto e vai adiante ao lembrar que de 2011 para cá, "uma verdadeira primavera de movimentos" se consolidou na luta por direitos humanos, ao mesmo tempo que se fortaleciam e destilavam ódio e preconceito a partir de grupos políticos e pessoas de, digamos, propensões nazi-fascistas. Resumindo: os monstros saíram do armário como pode se ver fartamente nos "audiovisuais" da internet afora.
Tudo isso me faz crer que Jô Soares sempre esteve e estará errado quando defendeu que a televisão não é capaz de incitar a violência. Mas sendo ele próprio resultado da cultura dessa certa superficialidade talvez não seja o mais adequado "intelectual" a debater a sério o assunto. Fato é que o Homo Videns, especialmente no Brasil, digere mal inclusive muitos bons recados que o "audiovisual" passa adiante. De meu lado fui e sou um profissional do ramo há muito tempo e torço para que eu mesmo e muitos dos meus colegas – como o Carlos Juliano Barros – ainda possamos ser competentes na feitura de imagens, sons e palavras que ajudem a tornar nossos Homo Videns caboclos menos preconceituosos do que são nos dias de hoje.
Publicado originalmente no DOM TOTAL. Clique aqui.
Comentários
Parabéns, Ric, pela crônica!