O que é errado e o que é certo
Na verdade me importo. Com a magia da verdade, com o
fato da boca de cena estar vazia e um lado da cama estar abandonado. Na verdade
me importo com luz baça, mãos de rua trocadas, fraldas sujas, cães sem dono,
toda e qualquer espécie de abandono, terrenos baldios, encostas que não se
sustentam.
Na verdade nunca disse que não me importava. Posso
até ver a paisagem passando mas , creia, estou ali anotando. Cada verso que
despenca, cada folha que cai , cada caixa d’água que aos poucos vai
transbordando. Estou ali, anotando.
Com todas as coisas esquecidas entre nós , abaixo
delas há vestígios, como velhas fogueiras paleolíticas que um dia serão
redescobertas. Com isso também me importo porque nem todo dia chove e nem todo
dia o sol se abre sobre os edifícios trincando os vidros e os nossos alentos.
Na verdade eu me importo quando o pé de amora tem
seu principal galho rompido, quando meu bom cãozinho já não uiva para a lua,
quando não posso assistir ao lado do meu pai a chegada do homem à lua. Me
importo com as navegações perigosas que jogam corpos nas marés indiferentes e
me importo com tantos trens superlotados nas principais cidades favela do
mundo.
Mesmo com tantas coisas escondidas eu me importo.
Que permaneçam ocultas ou de uma vez por todas façam o favor de emergir. Porque
eu me importo. Me importo quando nossos olhos coçam, quando escorrego sem
motivo, quando perco anotações antigas que nada valem mas no fundo valem pois são
trilhas. Com as quais me importo. Me importo porque tem muito que é preciso ter
por perto. Enquanto o destino não me diz o que é errado e o que é certo.
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