AS MULHERES QUE EU FUI BUSCAR
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pintura de Andrea Kowch |
AS MULHERES QUE EU FUI BUSCAR
Quisera a possibilidade de poder fazer uma crônica singela e poética
do jeito de Paulo Mendes Campos mas não
tenho talento para isso. Quisera puder transcrever os sentimentos a respeito do
jeito de Vinicius, Bandeira ou até mesmo Drummond que no seu comedimento de
martini seco tinha também muito derramamento. Mas também não tenho vocação para
tal mister quando o tema é "as mulheres que eu fui buscar" como metáfora
explícita para a busca como um todo.
Não
busquei muitas mulheres. Talvez no mesmo número que por elas fui buscado. Mas
quando as busquei foi cheio de expectativas achando que dias melhores poderiam
vir ao lado delas. Uma delas busquei
descendo noites seguidas no mesmo ponto de ônibus onde ela descia , a seguindo
de longe, cheio de incertezas e de inseguranças, com medo de ser rejeitado. Por
fim segurei suas mãos , olhamos a partir do vão livre do Masp para a avenida
nove de Julho - no ponto exato onde hoje se reergue o mirante- e seguimos juntos por muito tempo. O tempo
que foi possível seguir.
A
segunda foi uma "buscada"
conturbada com o perdão da má rima. Havia tanta faísca afetiva envolvida
que nos incendiamos. Rimos e choramos de
nossas cumplicidades dentro de cinemas,em vales de lágrimas e de risos, ao redor de discos , nos atritos do trabalho
pois cometemos o erro de estarmos e
trabalharmos juntos. A lembrança mais triste foi o dia que não deu mais para
buscá-la sentada em uma calçada defronte ao prédio onde morei. Eu ia para
Portugal para perde-la e perder o lugar. A cena ficou como um triste retrato na parede
mas não impediu que finalmente, muitos anos depois,ficássemos amigos talvez a
lamentarmos o que poderia ter sido e que não foi.
A
uma outra eu busquei na porta do seu prédio para rirmos nas praias de Fortaleza
imaginando talvez um futuro nômade do qual não compartilhamos. Eu chegava num
jipe verde que o porteiro do prédio dela chamava de "trator" e
vagamos por chuvas de areia ouvindo blues e Nina Simone,rindo de nossas
próprias palhaçadas. Poético e tolo batizei um cachorro dela com o nome de
Dante e vivemos sim círculos de purgatório , paraíso e inferno na nossa divina
comédia.
Outra
eu corri atrás e busquei no boulevard
mais famoso da vila Isabel de Noel Rosa onde vi o samba pedindo passagem e onde
discuti idiotices com ela numa mesa do "Petisco da Vila".
Compartilhamos gostos e gestos em comum ao redor da literatura e andamos de
mãos dadas pelo sul de Minas até que a troquei por uma paixão ciclotímica.
Mas ela me perdoou e isso é o que
importa.
A
paixão ciclotímica eu busquei muitas vezes, em muitos lugares e em muitas
circunstâncias. No interior de São Paulo, no interior de Minas, em Londres,
Paris , Brasília ou mesmo nos lençóis maranhenses onde eu quis lhe dar a
felicidade no aniversário dela e ela me devolveu intolerância e ciúme. Dessa eu
guardo todas as mágoas do mundo porque nunca soube entender meus gestos e
intenções de busca. Mas , sinceramente, espero que ela sim um dia ache o que
busca.
Por
fim agora busco não buscar. Mesmo que busque em casa, no cinema, no teatro,
numa garrafa de vinho com os olhos postos um no outro. Busco não buscar falsas
esperanças, busco não buscar expectativas ou caronas para destinos que não
conheço. Busco agora é viver. Com a máxima desgastada do taxímetro rebaixado em
tempos de Uber busco desesperadamente ser feliz enquanto o carro anda. E, para
ser feliz, é preciso se acostumar a pagar pedágios.
Ricardo Soares é diretor de tv, roteirista,escritor e jornalista. Publicou 8 livros e dirigiu 12 documentários. Escreve às segundas e quintas para o DOM TOTAL.
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