Essa tal de poesia marginal
Na enorme vala comum onde colocaram os livros da então chamada “poesia
marginal” haviam títulos muito curiosos . Bons , como “Numas”, “Para latir na
calçada”, “O mistério que tem no coração todo bandido”, “Perpétuo socorro”,
“Risco no disco”, “Esquina Dorsal” e “Me segura que eu vou dar um troço”.
Pouco se fala desses livros, aliás não se fala nada , ainda mais em um
país que , quando muito, “ensina” só o que se passou poeticamente até a Semana
de arte moderna de 1922, há quase um século. Dali para frente quase nada. Sequer Gullar, Torquato, Wally
quanto mais os modos e manias dos
integrantes da tal “geração marginal”,ou “geração mimeógrafo”.
Não tenho a menor pretensão de ser o avalista ou mesmo o biógrafo desse
“movimento” mas que ele existiu isso existiu . E foi lá do seu jeito até
fecundo. Mas é o Brasil sem memória , não se esqueçam. Aqui, ainda mais naquela
época, não queriam que a gente tivesse memória de nada mesmo. E então aqui jaz
a poesia marginal como se dos concretistas e tropicalistas se pulasse direto
para o “nada consta” de hoje em dia onde temos mais maus poetas do que bons
leitores de poesia. Querem passar um rolo compressor sobre a gente e embora eu
tenha dito que não quero ser biógrafo de nada vou continuar aqui a fazer
registros daqueles tempos que desabaram no silêncio.
Estamos ainda muito distantes de uma imagem de trabalhadores fortes e
robustos a exibir músculos durante o horário de almoço comendo suas marmitas
reforçadas sobre os tamboretes redondos ao mesmo tempo em que , ávidos,
folheiam livros de versos revolucionários ou não. Essa imagem muitas vezes
idealizada e até retratada por um tosco realismo socialista tupiniquim nunca
chegou a ser uma imagem de fato mas um retrato de ficção. Nossa turba é ignara,
nossa malta é parva e baba na comida ainda mais hoje em dia onde todos estão
conectados na telinha dos telefones numa escravidão gelada que ainda não sei se
é datada ou definitiva.
No inventário desse período onde se passa a história de nosso grupo, ou
parte dela, muita coisa não foi de fato inventariada, não foi dita,não foi
simplesmente contada. Sequer temos a decência de lembrar os nossos mortos
precoces como o poeta Touchê, o Arnaldo Xavier ou o asmático e denso Juvenal
Neto que escreveu “Quando morrer” que diz num trecho:
Em vida
ouvi Mozart
na morte quero Beatles
e um baile
antes de minhas cinzas lançadas
na Avenida Paulista,
onde passearam meus sonhos de domingo.
na morte quero Beatles
e um baile
antes de minhas cinzas lançadas
na Avenida Paulista,
onde passearam meus sonhos de domingo.
Essa gente passou que nem meteoro na
minha memória, gente que foi viva, ativa e lúcida , às vezes nem sempre, e que
simplesmente sumiu,não se manifestou mais , morreu ou desistiu da batalha. Aí
me sinto como um pregoeiro solitário a colocar as mãos em concha num
desfiladeiro profundo gritando para dar eco: “onde estão vocês que não ajudam a
dizer que nós existimos, não fomos holografias , publicamos livros e sacudimos
sim o coro de alguns contentes ? Cadê
todo mundo para dizer que poesia marginal não foi só Charles e Chacal ?” .
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