a loirinha e um tio na Sorbonne
O que vem abaixo é um "teco" de um romance "tijoludo" já concluído mas não publicado. Dá conta, entre outras coisas, de jovens poetas do fim dos anos 70, período que parece cada vez mais esquecido na desmemória nacional.
(...)A moça tinha um apelido do qual não me
recordo e tinha cara de coelho e
pretensões de ser Simone de Beauvoir por conta de sua acachapante precocidade
intelectual aos 15 anos. Ela citava e recitava
Cecília Meirelles, Florbela Espanca, Patrícia Galvão e se fazia entender
como liberal , filha de pais engajados, talvez um tio formado na Sorbonne.
Só hoje percebo que esse tipo de menina
se fabricava em série naquela época mas como não havíamos convivido com nada
igual de onde vínhamos a loirinha acabou
por tornar-se objeto de desejo e fascínio dos meus amigos. Me incluo fora dessa
por uma antipatia recíproca que nos afastou à primeira vista. Sempre a achei
pedante. Mas era sabida.
Fico imaginando o que ela virou , no que se
formou, o que se tornou pois na minha jocosa visão de 18 anos nunca a enxerguei
como uma futura trabalhadora porque seu tédio juvenil lhe emprestava uma
expressão de absoluto fastio, aquela moça “estudiosa” que só estudava o que lhe
desse na veneta.Terá virado uma intelectual , uma arquiteta da moda, uma dona
de casa rica e de bons costumes ? Ficou grisalha, aprendeu a fazer panquecas,
nunca se aproximou de uma cozinha,fez dissertações de mestrado sobre ideais de
beleza ?
Ah, as pessoas que ficam paralisadas no tempo,
cristalizadas como a conhecemos em uma época de nossas vidas. Se visse hoje
essa ex-loirinha não a reconheceria pois provavelmente o tempo tenha lhe deixado
sulcos profundos na pele clara e ela não terá o mesmo frescor e viço de outrora
embora não fosse bela. Poderia se chamar
Ada Demura, Heidi Denck, Grunewalda ou qualquer nome nórdico mas meu gélido
desprezo por ela nubla todas as minhas percepções.
Se tiver se casado ou procriado cedo de repente
já pode ser avó e ter produzido herdeiros e herdeiras de seu pensamento
refrigerado por colégios bacanas nas cercanias de Higienópolis . E se tiver
mudado para o Rio ? e se tiver se tornado uma coroa turbinada do Leblon ? e se
morar na Barra, passar as férias em Miami ?
Não parece ter sido esse o seu destino mas
nunca se sabe os limites da degradação humana.
Ela pode ter reavaliado seus valores juvenis e hoje frequentar com
“amigas maduras” espaços de vôlei de praia
ou aulas de pilates para “senhoras assanhadas” na fina flor de suas
menopausas a levar “totós” na praia mas sem recolher os dejetos dos
cachorrinhos.
Enfim , todo esse retrospecto foi feito com a
única e explícita intenção de arreliar
meus amigos Alfa e Profeta que a tinham então em alta conta e a cultuavam como
musa embora ainda hoje neguem tal fato. E hoje, como ontem, não enxergam
defeitos na loirinha de tranças que carregava livros contra os túrgidos seios
então intocados. A juventude as vezes nos tira todo os critérios e em alguns
casos a ausência deles segue vida afora. Para cada situação uma medida, para
cada medida um critério. Eis o mistério.(...)
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