Monsieur Mersault e o amor de mãe
Um ano depois da publicação do romance "Amor de Mãe" mando abaixo um "teco" de outro romance. Um"tijoludo" já concluído mas não publicado ainda. Dá conta, entre outras coisas, de jovens poetas do fim dos anos 70, período que parece cada vez mais esquecido na desmemória nacional. E nesse trecho dá conta do amor de mãe do protagonista de "O Estrangeiro", do meu amor de mãe, dos amores de mãe espalhados por aí...
(...) Bonsoir monsieur Meursault. Amor de mãe nunca acabou como prova a não
devoção oca do “Estrangeiro” à sua mãe e
a devoção torta que eu tenho para com a minha. No túmulo delas buscamos nossas dúvidas ou
duvidamos do que buscamos ? Ah,os fantasmas,nossos duplos... sempre atrás da
gente com nossas cervejas e macarrões com frangos, nossas espertezas nada
espertas, nossas almas ladinas . Eles não nos paralisam por certo mas incomodam
sem serem “encostos”, compreendem?
Eu admiro a paciência dos mortos que ficam muito tempo aguardando o
tempo dos vivos enxergarem quando é preciso fazer mudanças. As vezes esperam
décadas, às vezes esperam um tempo inteiro de nossas vidas e vão transferindo
as pendências fantasmagóricas para outros membros de nossa família. Não quero esse karma para os meus.
Num desfecho minha mãe comentou enfática que não havia aprendido a ser
feliz sempre a se queixar de manchas de umidade nas paredes de sua vida.
Contrito examinei o passado dela e tentei lhe entender os motivos mas os
motivos não bastam. A vida dela passou e certos problemas não foram resolvidos.
Alguns transferidos para mim e daí, perdoem o simplismo, reside uma enorme raiz
da psicanálise. A transferência de certos problemas. Afirmar isso faria o meu
amigo Profeta morrer de rir mas o especialista no assunto é ele e não eu.
Portanto há que ser perdoada tamanha ignorância temática de minha parte.
Monsieur Meursault está presente no relato, vindo direto de uma praia
da Argélia onde matou um árabe sem
motivo aparente, porque encontra aqui afinidade com seus próprios problemas.
Ele é um “estrangeiro” em si como muitas vezes me sinto um estrangeiro diante da minha própria vida, diante dos meus
próprios amigos antigos para os quais olho com formidável estranhamento muitas
vezes.
Como posso ainda ser um deles ? como posso achar que me transformei se
diante deles me sinto igual , como no princípio? Mudei eu ou mudaram eles ou
ninguém mudou porra nenhuma? Por que temos ainda tanto assunto se na verdade
não deveríamos ter assunto nenhum ? A dúvida ainda é se diante um do outro
ainda somos os meninos de 15 ,16 anos , idade que tínhamos quando nos
conhecemos, ou se somos pré-velhos tentando buscar o melhor atalho rumo ao
envelhecimento. Duro é, ao menos no meu
caso, conter a melancolia, essa velha tristeza de herança portuguesa que mina
alicerces e se reflete nas rachaduras dos pés que dia a dia proliferam(...)
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