Mapas antigos são destinos ambíguos

Republico aqui crônica recente que saiu no DOM TOTAL (clique aqui no original)
Ricardo Soares*
Desde garoto sempre tive paixão por mapas. Tantos os impressos quanto os globos terrestres vendidos em lojas caras, iluminados ou não por dentro, e que me sugeriam viagens por cantos recônditos do planeta como a África ou a Austrália, o Pólo Norte ou alguma ilha da Polinésia Francesa. O garoto que fui perdia-se em devaneios querendo alcançar tantos destinos quantos possíveis atrás de glórias que viriam dessas explorações num período em que o planeta Terra ainda tinha muitos espaços em branco, inexplorados e mal palmilhados por aventureiros de todas as estirpes.
Hoje quando vemos tantas propagandas de agências de viagens a banalizar até os destinos inóspitos, quando avistamos congestionamentos para chegar ao pico do Himalaia e um monte de gente fantasiada de Indiana Jones passeando ao redor das pirâmides do mundo e dos desertos de cartão postal eu fico pensando o que foi feito de tantas paragens inacessíveis, de tantos lugares onde era possível buscar paz, sossego e a vastidão de lindas paisagens. 
Às vezes me dá a impressão de que o mundo se tornou um lugar onde ninguém pode e nem deve ficar sozinho, em silêncio ou não, buscando o essencial, o primordial, meta de tantas religiões orientais ou não. A tal aldeia global virou um inferno de observação. Todo mundo nos observa e sempre somos observados.
Minha profissão e meu temperamento me levaram a muitos cantos do mundo. E o Brasil, sem pretensão, posso dizer que conheço bem. Talvez por isso me doa muito ver tantas praias aviltadas não só pelo imundo petróleo derramado em alto mar mas destruídas pela sujeira, especulação imobiliária, línguas de esgoto e poluição sonora. Perseguir o sossego completo se torna missão cada vez mais impossível. Até porque os seres humanos – especialmente os brasileiros – amem o barulho.
Sinal desses tempos conectados é que os mapas caem cada vez mais em desuso. Não mais existe sequer aquelas edições anuais dos guias 4 rodas, sempre atualizadas, que você poderia manusear no colo, sentado ao volante do carro no momento em que estava perdido. Agora, dizem, tudo está on-line , em tempo real, o que é um contrassenso num país continental cheio de pontos cegos para conexão. Preço da modernidade?
Quando pequeno o reflexo de minha paixão por mapas talvez tenha me levado distante. O prazer equivalente a viajar era proporcional ao prazer de voltar para casa são e salvo depois de calor, barro, areia e até – em casos extremos- encontros perigosos com bandoleiros de estirpes variadas na busca do documentário ideal. Hoje com tanta gente em todos os lugares, dentro ou fora de temporadas, o tal prazer “exclusivo” da descoberta de um destino inédito parece cada vez mais remoto. Talvez por isso tenha aumentado o prazer de viajar quando se descobre um destino ainda pouco tocado. Prazer que agora não é equivalente a voltar para cair na distopia das nossas grandes cidades principalmente a São Paulo de Piratininga que em passado longínquo era um desafio superlativo para quem subia os contrafortes da Serra do Mar desde a Baixada Santista. 
A intervenção agressiva e feia daqueles mares de concreto que agora cortam a Serra com os viadutos imensos da rodovia Imigrantes mostram a todos nós que o homem pode sim enfrentar e vencer qualquer barreira mas nem por isso torna a paisagem mais palatável e as nossas vidas mais fáceis. Talvez seja um grave sintoma do meu envelhecimento mas tenho muita saudade dos meus mapas antigos onde eu poderia sonhar com um admirável mundo novo que hoje se desfaz em brumas que não são de Avalon.

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