Baús de mal guardados





BAÚS DE MAL GUARDADOS 


Tenho vários baús de mal guardados/ com programas de televisão que escrevi mas não foram ao ar/ideias perdidas em letras ruins/bilhetes inacabados/rascunhos imbecis

Nos baús há pros e contras das vidas que segui e das que abandonei/ há comoções que abracei/traduções de poesias remotas e nomes de homens que fizeram blues 

Nos baús reviro os anos e eles se acumulam como prateleiras de extintas tabacarias/ não sei se o que guardo foi feito de noite ou de dia/ enxergo mal até as receitas de óculos sobre os quais eu já dormi e amassei 

Nos baús que não servem para nada há desenhos feitos pelo filho quando o filho era pequeno / há um rosto mais jovem e pleno do que um dia eu fui e me esqueci/ há um bilhete dizendo a uma companheira de então onde é que eu escondia a chave, inclusive a do meu coração

Nos baús não estão os stents que pus dentro do peito/ nem o mapa das corredeiras nas quais mergulhei, afundei, mas sai do outro lado/ não há lembranças dos cães que naquela ocasião eu não tinha / não há recordações de viagens pela Amazônia que só fiz muito depois 

Nos baús se salvam – e para que? – pedaços de vidas dentro dessa vida/cartões de visitas de gente que já partiu/cartas sentidas das minhas irmãs exiladas nas Minas Gerais/planos que não se concretizaram jamais

Nesse baú de mal guardados não se acumulam as xícaras de café que eu já bebi e nunca contei/ não estão os cigarros remotos que eu já traguei/ e nem tudo o que fiz para me manter acordado enquanto o planeta passa assim, impávido, ao meu lado...

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