DESCANSA MENINO
DESCANSA MENINO
Descansa menino
Que acaba de nascer,
Os cabelos do seu avô ainda não caíram
E os músicos se divertem sonhando
Em voltar a tocar em espaços públicos
Descansa menino mal parido
Num mundo oprimido, poluído
Lascas de amor despossuído
Descansa porque agora o que resta é o improvável
Descansa as tuas calças vermelhas
Suas pombas sem giro
Seus chás de camomila
Descansa cá no nosso véu presente
Um esboço de futuro
Uma piada de mau gosto pronta
Uma busca por saída
Descansa menino
Coloque aos seus pés o microfone
E ainda não fale, não clame, não chame
E agora que você veio, boa noite,boa estada
Sua chegada é um alento
Mas, descansa menino
Porque a minha sensibilidade
Foi parar na Torre de Pisa
No fundo de um pastel
Na almofada embolorada que herdei da avó
Descansa menino
Porque vem aí pela frente
Uma jornada cansativa
Uma luta incisiva
Uns dentes que doem
Descansa menino porque um dia
Aprenderá a fazer poesia
Quando a poesia se fizer
Mais ainda necessária
Descansa menino, toque oboé, flauta doce
Instrumentos difíceis ,
Ria escancaradamente
Pegue um trem
Ame uma mulher até os extremos
Veja penínsulas,enseadas,baías e istmos
Rompa com anglicismos
Grite em italiano
Veja que a noite é veloz
Muita gente por aqui já passou
Fez as pirâmides, o Taj Mahal
A cidade de Brasília
Mas você chegou agora
A esse mundo tão cansado
Então, descansa menino
Vão te obrigar a ler
Muitos livros infantis chatos,
Então escreva os seus
Busque seus caminhos
Respirar é tão bom e tão simples
Que a gente até esquece
Descansa menino e não padece
Tua mãe vai durar menos que você
O seu pai já partiu em lento movimento
E todas as águas que levaram ao teu parto
Escoaram agora por oceanos
Então navegue, puxe as cordas da embarcação
Enfune velas
Consulta a tábua das marés
E aí, quando chegar a um porto novo
Hão de tocar um sino
Que soará apenas “descansa menino”...
***
Ricardo
Soares, 17-04-2021
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