NOVA SÃO PAULO, NOVO BRASIL ( crônicas utópicas 1)
Diante de tanto desamor e distopia reproduzo aqui uma série de crônicas utópicas que comecei a escrever para o portal DOM TOTAL
NOVA SÃO PAULO, NOVO BRASIL
Os
peixes foram voltando aos poucos ao rio Pinheiros. Depois ao Tietê. E pouco a
pouco começaram a ressurgir cotias, capivaras, jacarés e juritis. O fedor às
margens foi passando e como se sentissem isso as árvores frutíferas começaram a
crescer mais rápidas e a dar frutos
grandes e cheirosos que alimentavam os passantes , os atletas e os sem teto.
Jacas, mangas, goiabas, pitangas, amoras , laranjas e mexericas.
Com o renascimento do Pinheiros e do
Tietê os governos estaduais e municipais
se animaram e fizeram um grande plano de recuperação e despoluição de todos os
rios que cortam a capital dando inclusive bônus alimentícios aos que ajudassem
a preservar, despoluir e fiscalizar os poucos que ainda insistiam em jogar
entulhos nos leitos desses rios. E os
governos foram além. Libertaram da canalização secular o rio Anhangabaú que
agora corre solto onde sempre correu lá no centro, transformando aquele vale ,
de novo, numa plantação de chá.
Com os rios limpos e suas margens
recuperadas os negócios prosperaram. Quiosques de lazer foram criados sobre calçadas que lembravam as de Copacabana
e os mais concorridos ficavam justamente ao lado dos atracadouros que levavam a
grandes passeios aquáticos . E isso foi ainda antes das barcas lentas ou as
velozes que começaram a ajudar e muito no transporte de passageiros do norte
para o sul da cidade. Alguns
atracadouros aproveitaram até as estruturas já existentes das estações de trem
e de metrô.
Todas essas ações conjuntas foram
motivadoras de uma ação geral de embelezamento e recuperação da imagem de São
Paulo tida e havida como uma metrópole feia e cinzenta. E a recuperação da
paisagem foi se refletindo nas atitudes das pessoas que passaram a cuidar
melhor de suas ruas, praças e avenidas. Os carros começaram a ter cada vez mais
seus espaços restringidos a favor dos pedestres. E pouca gente chiou porque com
a integração entre ônibus, metrôs, ciclovias , trens e barcas a locomoção ,
enfim, se tornou muito melhor em São Paulo.
Começou então um inesperado e abrupto
movimento para demolição de muitos grandes shoppings na cidade, essas
aberrações arquitetônicas que embutem vidas artificiais embutidas dentro de
ares condicionados repletos de bactérias e o bodum das comidas requentadas das
praças de alimentação. Assim , ao invés delas, foram erguidas tantas lindas e
novas praças gigantes que em pouco tempo São Paulo foi se tornando uma cidade
com o maior número de árvores e praças do mundo. De novo, incentivos foram
dados aos plantadores de vida. A lógica de cercar e destruir praças e espaços
públicos foi rapidamente revertida nesse Planalto de Piratininga que viu uma
linda festa quando voltaram as competições de regatas e natação ali pelos lados
do clube Tietê.
O que uma vez foi chamado de elevado
Costa e Silva e depois de João Goulart mas na verdade era conhecido como
“Minhocão” veio abaixo , todo o trânsito restante foi para os subsolos da
cidade e onde se via aquela monstruosidade aparecia agora um imenso boulevard
onde as pessoas se reuniam para rir, contar histórias passadas e lembrar que
tudo aquilo lembrava agora as “ramblas” de Barcelona.
Assim todos os museus reabriram, ativos
e altaneiros, com entradas gratuitas para que conhecêssemos o passado da
cidade, do estado, do Brasil. E São Paulo foi se tornando muito mais do que uma
flor do cacto , solitária a vicejar em meio ao caos. O que acontecia aqui foi
contaminando o Brasil e em pouco tempo a boa moda chegou ao Rio de Janeiro , a
Salvador, a Belo Horizonte que viu crescer em toda a extensão do ribeirão
Arrudas um enorme jardim de fazer inveja ao de Luxemburgo lá em Paris.
Ah, pois sim, tudo isso foi sendo
possível na medida em que todos os paulistas, paulistanos e brasileiros foram
tomando consciência e começaram a eleger quem de fato pensava e pensa no nosso
futuro. Gente com preocupação com o que está por vir, gente desencanada com o
imediatismo eleitoreiro e sem a vontade de destruir o que um antecessor ergueu.
Digo tudo isso aqui e agora, meditando ao lado do rio Tietê, com um retrato do
escritor Mário de Andrade no meu bolso e
imaginando que a felicidade é agora o sonho feliz dessa cidade. Sem lembrança
alguma de peste, monstros e pandemia . Aliás, que pandemia ?
Ricardo Soares é diretor de tv,
escritor, roteirista e jornalista. Publicou 9 livros, dirigiu 12 documentários
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