VALEU A PENA TER ESCRITO

 




Dia desses o talentoso dramaturgo e escritor Mário Bortolotto postou uma história sobre Julio Cortázar que me deixou encantado. Justo eu que pretensiosamente achava conhecer quase todo o trabalho do escritor franco-argentino. Conta o  Cortázar na postagem do Bortolotto  “(...) eu estava em Barcelona no mês passado, passeando pelo bairro gótico certa noite, e havia uma moça americana, bem bonita, tocando violão muito bem e cantando. Ela estava no chão cantando para fazer algum dinheiro. Parecia um pouco a Joan Baez, uma voz muito pura, límpida. Havia um grupo de jovens de Barcelona escutando. Parei para ouvi-la, mas fiquei na sombra. A certa altura, um daqueles rapazes, devia ter uns vinte anos, era muito jovem, muito bonito, chegou perto de mim. Tinha um bolo na mão. Ele disse: “Julio, pegue um pedaço”. Então eu peguei um pedaço e comi, e disse a ele: “Muito obrigado por ter vindo me dar esse pedaço de bolo”. Ele respondeu: “Mas, escute, estou lhe dando tão pouco em comparação com o que você me deu”. E eu disse: Não diga isso, não diga isso”, nos abraçamos e ele foi embora. Bem, coisas assim, essa é a melhor recompensa pelo meu trabalho como escritor. Que um rapaz ou uma moça venha falar comigo e me oferecer um pedaço de bolo é maravilhoso. Vale o trabalho de ter escrito”.

Pois seja com esse escritor universal, reconhecido em vida , referência na literatura mundial  ou seja com um escritor brasileirinho de zero relevância e bissexto como eu há momentos que “vale o trabalho de ter escrito”. Diante dessa linda história do Cortázar me atrevo a dizer que tive muitas passagens onde tive certeza de que “valeu”. Uma delas , das mais relevantes, aconteceu há muitos anos no conjunto Nacional, ali na avenida Paulista, São Paulo quando um casal tímido e humilde se aproximou de mim . Ele perguntou se eu era eu...eu disse que sim. Aí ele apontou a moça ao seu lado e disse :

            --- Tá vendo essa moça ?

            --- Sim...

            ---Ela é minha esposa...

            --- ...

            --- Então, eu “ganhei” ela por sua causa !

            --- Como assim ?

--- Tem um poema seu chamado “ Elas” que diz que você gosta muito das mulheres decididas...

--- É verdade...

--- Pois eu dei esse poema para ela dizendo que era meu

--- Uau!

--- E foi por causa dele que ela quis ficar comigo de vez...só depois de muito tempo , eu já estava casado com ela, é que contei que o poema não era meu...

 

Antes que eu pudesse me refazer da estupefação o casal foi embora me deixando feliz, cheio de dúvidas. Para começar como tiveram acesso a um livro tão antigo ( “Invenção da surpresa”, 1982) feito de maneira tosca , mal divulgado e mal  distribuído e com a maioria de poemas tão ruins que eu preferi esquecer ? Foram perguntas que ficaram sem respostas mas me lembrei dessa história e de outras ao ler o relato feito pelo Bortolotto acerca de Cortázar... sim, sempre vale o trabalho de ter escrito...

 

Comentários

Postagens mais visitadas