CADA VEZ MAIS COMO OS CÃES
CADA VEZ MAIS COMO OS CÃES
Envelheço e cada vez mais pareço com meus cães
Lânguido entorpeço deitado ao sol
Vendo os saguis e os pica-paus lá no alto mascando mamões
Sem pressa porque ninguém tem mais urgência de
mim
Vejo o tempo passar entre frestas úmidas do
telhado
Racho a lenha, ponho os gravetos de lado...
O curso do tempo me trouxe até aqui
E parecido com meus cães lambo despreocupado feridas
antigas
Há serras que não escalei, todas ao redor de remotas
barrigas
Mulheres que amei ficarem feias
Homens que deplorei desfiam meias
Minhas veias as agulhas não acham
Os males que haviam ou vão ou racham
Eu e meus cachorros formamos agora uma
confraria
Acordamos de noite, dormimos de dia
Latimos para qualquer gato que se aproxime da
calçada
Não há muito o que esperar além da paliçada
Eu creio, atesto e dou fé
Envelheço e me pareço com meus cães
Me coço como eles sem motivo
Não há mais em mim um deus vivo.
Ricardo Soares, 18 de julho de 2021
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