BOCA DO METRÔ, PARIS

 


BOCA DO METRÔ, PARIS

 

Estou na boca do metrô, esperando alguém, e o bafo quente sobe pelas grelhas da estação. Sobre elas os lumpens montaram barracas para se aquecerem e as pessoas nem notam se as barracas são verdes, vermelhas ou azuis. Jovens correm em direção a uma das portarias da Sorbonne pois, afinal, estamos em Paris o que glamouriza de certa forma o relato de certa miséria.

De uma das barracas sai lentamente um homem que se espreguiça e logo atrás desperta o seu cão que sacode o corpo emoldurando a manhã fria. Sabe-se lá de onde surge nas mãos do homem um copo de café fumegante e um pedaço de baguette que ele logo divide com seu cão enquanto o metrô corre sob eles.

Estou aqui e nem sei mais qual é o mês e muito menos o ano e cismo de telefonar de um orelhão rabiscado para a minha mãe lá no Brasil. Só que a mãe já não está, já não atende, já não me defende das injustiças do mundo  e nem da cinta escura do meu pai. São quatro horas a mais no Brasil mas sigo sempre achando que estou atrasado.

Caminho tanto pela capital da França como caminharam tantos franceses e poloneses, eslovenos e gaúchos e percebo que minhas botas de lona não são adequadas para longas caminhadas. Pressinto que surgirão bolhas nas plantas dos pés e meus dedos do pé ficarão no desconforto que salmouras noturnas não vão curar. Olho para um outdoor colorido e vejo a modelo que lembra a minha sobrinha  vestindo costumes estranhos. Na verdade é minha sobrinha mas não a vejo faz tempo e muito menos os seus costumes estranhos.

Um cheiro de papel amassado, café requentado e amêndoas amargas mistura-se a aquilo que lembra quase uma bruma,quase uma neblina, quase uma ausência de clima pois em Paris, hoje e agora, não sei qual é a hora , qual é o ponto de referência , qual é o limite da minha combalida paciência.

 

Ricardo Soares  - 28-08-2022- Itaim Bibi- 15 hs

 

Comentários

Elisabete Cunha disse…
Só que a mãe já não está, já não atende, já não me defende das injustiças do mundo e nem da cinta escura do meu pai.

Coisa mais linda!


Saudade de comentar em blogs!
Elisabete Cunha disse…
Só que a mãe já não está, já não atende, já não me defende das injustiças do mundo e nem da cinta escura do meu pai.

Coisa mais linda!


Saudade de comentar em blogs!
Elisabete Cunha disse…
Acho que m é u comentário não foi. Sou vintage, bloqueará raiz.Do tempo que isso n tinha glamour nenhum...
Uma delícia de texto como sempre!
Bjs

Ricardo Soares disse…
muito obrigado , sempre, desde sempre pelos seus incentivos literários a esse pobre bardo...bjsss

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