Crônicas do Rio Doce 2: eles não servem nem cafezinho

 


Republicação da crônica do DOM TOTAL (clique aqui)


Ricardo Soares*

Se há uma coisa que a tradicional cortesia mineira não dispensa é servir um cafezinho para as visitas. Mesmo aquele mais ralo e doce servido nos interiores. Pois a medida da tristeza em percorrer centenas de quilômetros ao lado do rio Doce contaminado e judiado é perceber que os moradores que moram em seu entorno não nos oferecem sequer o cafezinho ralo. Comento isso com tristeza e não em tom de crítica e minha modesta explicação para isso é que a cortesia foi engolida pela tristeza, falta de fundos, desalento. Os moradores perderam a alegria de receber e servir cafezinho a forasteiros como eu e meus companheiros de viagem. A exceção foi seu Geraldo e sua simpática família que nos levou exatamente onde o rio Doce começa , no encontro dos rios Piranga com o do Carmo.

O encontro desses dois rios é de uma beleza imensa e a abertura da porta da tragédia proporcionada pela Samarco em 5 de novembro de 2015. A desgraça da lama e dos rejeitos desceu pelo rio do Carmo, atropelou o Piranga e detonou o rio Doce abaixo até chegar na praia de Regência no Espirito Santo. O seu Geraldo aponta o cenário e suas retinas enxergam o rio do passado onde se nadava e pescava sem temer nada. Hoje a boa lembrança é retrato na parede.

Tem sido consenso no meio científico que esse desastre ambiental foi dos piores do mundo até hoje e suas consequências ficarão por muito tempo. Até porque pouco vem sendo feito levando em conta a proporção dos estragos ambientais e psíquicos na população atingida. A fundação Renova ( empresa fundada para lidar com a tragédia e suas consequências) através de seus assessores diz que há má vontade da mídia com eles. Mas, convenhamos, a tal "boa vontade" deveria ser consequência da transparência com que eles lidam com as demandas . E transparência não há. Voltarei ao tema na terceira crônica dessa série.

A mídia vive das urgências e das tristes novidades. Infelizmente. Sendo assim, mesmo para a mídia , a tragédia da Samarco é página virada. Não é mais "notícia". E nos lentos passos da burocracia, confusões jurídicas e impasses a novela pós rompimento da barragem segue lenta, tediosa, um "imbróglio" cheio de idas e vindas. Os moradores querem o seu passado de volta já que os mortos não voltam. E os responsáveis ainda não apontaram qual é , afinal , o futuro para eles.

Leia também: Crônicas do Rio Doce 1: fundo do rio virou asfalto.

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Ricardo Soares é diretor de tv, escritor , roteirista e jornalista. Publicou 9 livros, dirigiu 12 documentários.


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