CRÔNICAS DO RIO DOCE 3- A RENOVA NADA RENOVA

 


Mês e pouco após publicar essa crônica no DOM TOTAL (CLIQUE AQUI) finalmente a Fundação Renova deu acesso vigiado a equipe do documentário às áreas solicitadas. Tanto da cidade cenográfica que estão construindo ao local do desastre original da Samarco. Digo isso no preâmbulo da republicação da crônica para não faltar com a verdade. Após insistência acabaram por ceder mas sempre querendo controlar a narrativa. Resta pois a pergunta : o que tanto tem a esconder ? o documentário que será lançado ainda esse ano tentará responder.


Ricardo Soares*

Da lama da rompida barragem do Fundão em Mariana(MG) surgiu a Fundação Renova que propaga ser uma organização não governamental privada e sem fins lucrativos. Foi constituída em 2 de março de 2016, por um Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta, e iniciou suas operações em 2 de agosto do mesmo ano. De lá para cá, porém, a Renova não renovou as esperanças da maioria dos milhares de atingidos pela catástrofe que esperam, quase sete anos depois, ter de volta o rio Doce perdido, hipótese aliás cada vez mais remota diante da morosidade da resolução dos problemas.

Na teoria a Fundação Renova foi instituída em 2016 a partir do tal complexo arranjo de governança envolvendo a mineradora Samarco e suas controladoras (Vale e BHP) e o poder público - União, estados de Minas Gerais e Espírito Santo, autarquias e fundações. Tem como finalidade central lidar com o passivo gerado por uma tragédia de grandes proporções ocorrida em 5 de novembro de 2015 e seu objetivo seria a implementação plena de programas e projetos de reparação total mais a compensação dos impactos de cunho social, econômico e ambiental, que afetaram as comunidades em região cujos limites se estendem ao longo da calha do Rio Doce. Trecho que, desolado, eu percorri.

Se na terceira crônica da série do rio Doce eu me atenho à Renova não é porque ela mereça (os moradores são os mais importantes, convenhamos) mas sim porque ela é personagem vital na não resolução dos problemas muito embora seu marketing e suas redes sociais mostrem o “maravilhoso mundo” que eles estariam (re) construindo depois da hecatombe ambiental.

Funcionários graduados ou não com quem tive a chance de interagir durante a jornada de seguir o rio Doce foram de uma simpatia ímpar no trato pessoal mas não conseguiram dar acesso a nenhuma das informações solicitadas usando as mais estapafúrdias desculpas . De que não receberam nossos e-mails até a impossibilidade de agendar uma visita apenas contemplativa à curiosa cidade cenográfica que eles estão construindo bem pertinho da devastada Bento Rodrigues . Não pudemos entrar nem na nova Bento ( como eles chamam) e muito menos na antiga. A Renova queixa-se das críticas que a mídia lhe faz mas, convenhamos, transparência não é seu mote.

Por mais que a gente queira dar o tal benefício da dúvida a essa Fundação fica difícil quando em centenas de quilômetros percorridos no entorno do desastre e dezenas de personagens ouvidos não apareceu um único para dizer que a Renova é bacana. Sim, é difícil agradar a todos nesse emaranhado jurídico mas passar 18 dias viajando em busca aleatória de personagens e não encontrar um único que defenda a Renova nos faz no mínimo ficar com a pulga atrás da orelha.

A viagem da qual tomei parte foi uma etapa para a realização de um documentário (de viés ambiental) sobre o desastre da Samarco quase 7 anos depois. Nessa etapa fomos constatar in loco o que pesquisei antes, teoricamente, na prospecção de moradores, técnicos, cientistas e afetados em geral pela tragédia. Foi uma colheita e tanto e mais para a frente renderá mais assunto e mais crônicas na medida em que o documentário tiver sido concluído.

Nesse trabalho que deixou a diminuta equipe abalada diante de tanto descaso estávamos em três pessoas e um jipe que ficou todo sujo. Eu, pela primeira vez atuando como pesquisador num documentário, mais uma eficiente produtora de campo e o diretor e roteirista que é um velho e querido amigo. Não posso e nem estou autorizado a falar onde e como o documentário será exibido só que venceu um edital da Ancine ( cuja inscrição vem de longe) e que deve revelar que muito pouco foi feito de fato para reparar a tragédia. Os personagens são fabulosos e me dá a tênue esperança de que as verdadeiras e boas histórias ainda são sempre as contadas pelos derrotados. O que era (rio) Doce não se acabou . Pelo menos no que depender deles.

Dom Total

Ricardo Soares é diretor de tv, escritor, roteirista e jornalista. Publicou 9 livros , dirigiu 12 documentários . Fala de livros em 1 minuto no Instagram @naredecomsede


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