SOBRE AS PERDAS E SEUS DANOS
SOBRE AS PERDAS E SEUS DANOS
O saudoso e estupendo
escritor uruguaio Eduardo Galeano dizia que a perda das coisas não lhe doíam tanto
como a perda de pessoas que muitas vezes
lhe deixaram um buraquinho muito difícil de preencher. Assim é se há muitos de
nós parece. O mundo é assim , como dizia o mesmo Galeano , “um tecido de
encontros e desencontros, de perdas e de ganhos”.
O autor de “As veias
abertas da América Latina” sempre defendeu que o melhor dos dias é o que ainda não vivemos e aí,
sinceramente, tenho cá minhas dúvidas, especialmente quando perdemos alguém que
de certa forma sempre fez parte de nossas vidas e não fará mais. Vivemos com
essas pessoas e daí, de chofre, elas não mais existem . E daí voltamos ao
buraquinho difícil de preencher evocado
pelo Galeano .
Sim, o tema brota diante
da morte física de Rita Lee que se foi sinalizando
que ia depois de fazer tanta gente feliz como canta em uma de suas músicas . Se
foi e sempre achei que simbolicamente ela sempre estivesse por perto até porque
o que separava minha casa da dela fosse um muro alto no fundo do condomínio onde
moro. Depois desse muro um pequeno trecho de uma reserva de mata e ao fundo dela
a casa da Rita.
Durante os mais de 20
anos em que moro aqui ( ela chegou pouco depois , em 2007) eu nunca a vi ao contrário de outros vizinhos musicais “ilustres” que já partiram como Jair
Rodrigues, Martinha ou Rolando Boldrin. Mas quando olhava para o muro alto, ao
lado de um laguinho, sempre me sentia confortado por saber que Rita Lee estava
ali adiante, olhando para as mesmas árvores que
eu . Agora estará provavelmente mirando outras vegetações mais
exuberantes lá do outro lado da vida com o perdão da pieguice aqui embutida.
Como milhões de brasileiros
evoco a feliz lembrança dela nesse dia meio chuvoso onde ela será cremada , mas
eternamente celebrada em nossos corações e mentes. Mais uma perda que nos deixa
muitos danos , especialmente numa época de triunfo dos canalhas, alguns dos
quais ontem emitiram notas de pesar pelo falecimento dela. Gente que ela por
certo deplorava e que nada tem a ver com seu ideário. Gente repulsiva que é a
mais completa tradução da caretice que ela detestava e contra a qual passou a
vida combatendo.
Galeano estava certo. Há
perdas de pessoas que deixam um buraquinho muito difícil de preencher. Pessoas
que mesmo não sendo é como se fossem membros de nossa família, extensões plenas
de nossas impressões, registros de nossa passagem sobre a Terra. É , sim, um
tempo bicudo. Com muita gente insubstituível partindo. E muitos de nós seguimos,
com dificuldades, para pensar como o Galeano de que o melhor de nossos dias é o
que ainda não vivemos.
Ricardo Soares, 10 de maio de 2023, 9 da matina
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