O beijo paterno
O beijo paterno
Ele
lembra agora que quando seus filhos eram pequenos ele tinha por costume passar
pelo quarto deles pouco antes de ir dormir e contemplava os meninos , passava a
mão na testa deles , beijava-os e depois se sentava em uma pequena banqueta
amarela, entre as duas camas , e ficava ouvindo eles ressonaram.
Tivesse chegado bêbado ou cansado,
elétrico ou de um encontro furtivo com uma amante, naquele momento era apenas
um homem sem culpas entre seus dois
filhos, protegendo-os na dura trincheira que ele sabia que viria pela frente.
Naquele momento não tinha vontade de mover-se dali viesse pela frente um
furacão ou uma tsunami. Era apenas um pai protegendo as suas crias por mais
errada e errática fosse sua conduta fora daquele quarto.
A sensação de paz que sentia ao repetir
sempre o mesmo gesto noturno era indescritível e lhe dava uma paz que ele não
conhecia em lugar algum do mundo. A
sensação boa ficou ainda melhor quando se lembrou que seu pai fazia o mesmo com
ele e suas irmãs . Simplesmente herdou de forma inconsciente a saudável mania
que tanto conforto lhe dava quando o pai aproximava a sua mão calosa de seu
rosto , segundos antes do beijo de boa noite.
O pai assim fazia e ele , na maioria das vezes, só fingia que estava
dormindo porque na verdade sempre esperava esse gesto de olhos fechados.
Fizesse frio ou calor, brisa ou ventania.
Corre a vida, bambus crescem e flores
morrem, incensos são queimados, amores vem e vão , mas segue firme nas
entranhas da alma, nos corredores do coração
a sensação benfazeja de beijar a face dos filhos antes de dormir. Agora
é apenas sensação mesmo visto que moram em terras estrangeiras e só muito pouco
lembram do pai posto que estão ocupados em driblar as dificuldades e abraçar as
alegrias da vida.
No meio disso tudo, no entanto, ele
gosta de pensar que o beijo noturno que lhes dava, infância adentro, possa ter
fortificado a fibra dos filhos, fazendo-os serem mais fortes diante dos
dissabores. Porque por mais que o tempo os maltrate com sopros ruins e
arranhões houve um tempo em que era
possível e plausível esperar pelo beijo paterno todas as noites. Antes de todos
adormecerem.
Ricardo
Soares – 6 de junho de 2023
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