Última nos 63

 

         


Última nos 63

( Escrevo desde um tempo do qual não me lembro. Mas me lembro que desde a adolescência, aos 15 ou 16 anos, escrevo minhas últimas impressões momentos antes de fazer aniversário. Ou , melhor dizendo, antes de completar um ciclo redijo as “últimas” do ciclo anterior. Assim nasceram a “últimas dos 15 ou 16” ( não lembro exatamente qual) até essa “última nos 63” que tem uma peculiaridade : é a primeira que reparto em público seja ela de interesse público ou não. É apenas um jeito desajeitado de agradecer a vocês desse mundo cada vez mais virtual por terem se lembrado um tiquim de mim. Meu beijo e abraço a todos)



Quase nem notei que fiquei velho, que já não pago mais metrô e nem pulo poças d’água com a mesma facilidade e que já se completam quatro anos desde os meus 60 lá na Córsega na doce companhia dos meus amigos Rosane e François e uma festa improvisada na casa de amigos deles em Bastia. Quase nem notei, melancolicamente, que agora não tenho mais dinheiro pra repetir o périplo e que parece que o melhor da vida já passou.

Se não notei tantas coisas outras se fazem notar. O meu receio em relação ao futuro num país que não gosta de velhos , meu prazer em seguir escrevendo e a ausência dele em seguir publicando ainda mais num Brasil que tem mais autores que leitores. Noto também que se a gente se isola , com a idade, isolado fica. Noto que me dói a ausência do filho e da filha , morando no exterior. Noto que apesar de amar a liberdade de não estar casado ou “namorado” sinto falta do aninhamento que ter uma parceira às vezes confere. Mas quando lembro que esse “dormir de conchinha” cobra um preço alto deixo isso barato porque perder a individualidade sempre sai caro.

Noto e deixo de notar tantas coisas que às vezes me tomo por distraído. E distraídos venceremos que é pelo menos o que achava o grande poeta Leminski. E, aí eu noto, que sigo mesmo gostando de ler poesia seja ela Pessoa, Bandeira, Gullar ou Drummond ou mesmo poetas menos conhecidos mas que me despertam prazeres sentidos. Mas no momento estou é me fixando nos meus achados que sinceramente julgo perdidos.

No meio de tantas conjecturas a essa altura da vida noto que tenho tido apreço por ler conjecturas, ficções e memórias ao redor do tema “velhice” seja pela pena de Philip Roth ou da minha amiga Tania Celidonio , autores que trataram da questão com a alma e o coração.

Agora também noto como o assustador preço das coisas me aterroriza numa inflação que sempre é maior que meu bolso que agora se ressente do que cobram por um bastão de desodorante ou um vidro de suco de tomate. E no meio desse coquetel eu noto que sinto falta de férias na praia com os meus pais, de brigar e sorrir com minhas irmãs e da proximidade maior que um dia tive com minhas sobrinhas. E, ao redor do que se pode chamar de família, noto que em São Paulo só tenho mesmo é uma tia quase centenária e cada vez mais alheia ao mundo.

Pensando na idade de minha tia noto agora que o dia amanhece através da janela do meu quarto – que sempre notei nos últimos 20 anos que por sorte dá para o mato - e que dificilmente chegarei à idade dela visto que passei dissabores maiores e tive resignações menores que as dela.

No meio disso tudo que se configura o meu último escrito com 63 anos noto que talvez esteja sendo confessional demais, mas assim é se me parece. E parece que vem frio por aí, que a inteligência artificial vem roubar espaço dos criativos e que o mundo seguirá sendo um perigo constante num globo terrestre cada vez mais habitado. No mais noto com felicidade que sim, sigo na nave, grato ao destino por ter saúde, apesar da rinite, diabetes e certo grau de preocupação com o coração que me deu um susto há quase sete anos.

Ninguém solta a mão de ninguém é uma bobagem utópica que inventamos pra lidar com a solidão que cedo ou tarde sempre nos toca os ombros. Mas noto que talvez como nunca eu valorize os amigos e amigas que a vida me deu. Sem eles não haveria logica em dizer “feliz aniversário” como eu digo a mim mesmo. Tê-los ao lado , mesmo que para dividir dissabores, é nesse momento o ponto alto da existência. Que venham os 64 anos.



Ricardo Soares, 7 de junho de 2023, 6 h 53 minutos

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