GABRIEL, GUGU, FAUSTÃO E TV DE MONTÃO

 



         GABRIEL, GUGU, FAUSTÃO E TV DE MONTÃO

 

Será exagero dizer que aquele velho conceito de tv aberta fechou? Se não fechou se reconfigurou, mudou, perdeu a abissal relevância que sempre teve no Brasil muito embora ainda pinte e borde no quesito de como fazer amigos e inimigos e influenciar pessoas.

         Totalmente diferente do que já foi em seu auge ( anos 60,70 e 80 do século 20) é de se esperar que se a tv aberta tenha mudado, disputando atenção e audiência com tvs por assinatura e streamings, mudaram também os que escrevem e refletem sobre ela. Ou seja, em outras palavras, já não se fazem críticos de tv como antigamente.

         Um dos derradeiros reminiscentes dessa leva de repórteres e críticos dos tempos d’antanho o meu amigo Gabriel Priolli segue afiado apesar de não nos brindar mais com suas pensatas televisivas na tal “grande mídia” onde atuou por muitos anos e não deixou herdeiros. O que se vê agora são os autointitulados “fofoqueiros” que falam da vida das celebridades e dois ou três gatos pingados que pitacam sobre o assunto muito mais preocupados em caçar likes em redes sociais do que produzir reflexões interessantes sobre o assunto. Mas essa é outra prosa.

         No parágrafo anterior se digo que Gabriel é “meu amigo” não é para insinuar intimidade com o escriba. Antes é para avisar aos desavisados que os elogios embutidos nesse texto podem estar influenciados por uma já longa convivência profissional e pessoal  com o autor de “Astros em Trânsito-momentos na trajetória de 35 celebridades da televisão brasileira”.

         O saboroso livro do meu amigo foi lançado há exatamente um ano e nessa fúria de “um museu de grandes novidades”, onde se acumulam lançamentos e veleidades, o livro passou meio batido e não deveria na medida em que mais do que perfilar as tais 35 celebridades da tv brasileira nos “ensina” como é  , ou melhor, como foram os bastidores dessa tv aberta que ora se reinventa.

         O bom de ser amigo do autor é que dele discordo em muito mais assuntos e “coisas” do que concordo e isso não fere suscetibilidades. Antes, nos aproxima. Isso é um baita teste pra medir a voltagem de uma amizade se me permitem um minuto de filosofia de botequim.

         Digo tudo isso para confessar que ano passado li com olhos rápidos e ávidos o seu livro , mas não com a atenção que merecia. Pulei trechos e personagens que não me interessavam até porque , pra começar, discordo retumbantemente de alguns nomes que ele pôs nessa lista cheia de trigo , mas também repleta de joio. Gabriel deu dimensões idênticas a estrelas de dimensões distintas para aqui ficar na constelação dos tais astros que ele lista.

         Mas ,  a lista tem os nomes essenciais. Tem Boni , tem Walter Clark ( que Gabriel biografou) , Chacrinha , Dercy Gonçalves, o casal telenovela Dias Gomes e Janete Clair , tem Silvio Santos , Chico Anysio, Gugu Liberato, Avancini, Hebe Camargo e Fausto Silva que ele perfilou com brilho  para a inócua, pedante e extinta revista “The Gallery”  em abril de 1995 dando à matéria o premonitório título de  “O Coração do Faustão”.

         Como escrever  é capricho , mas também relaxo, não fugirei de um clichê do gênero quando digo que o livro do Gabriel Priolli vale mais do que muitas aulas de rádio e tv nessas faculdades de comunicação porque revira a maçaroca de egos e interesses contrariados quando dá a real dimensão da fogueira das vaidades que  está embutida no fazer televisivo. Exemplo disso é a pensata que ele fez sobre o Boni ( “Boni vai caindo do céu”, Gazeta Mercantil, 6 de junho de 1997 ) o tal José Bonifácio de Oliveira Sobrinho que era o capo dos cappi da rede Globo até o ano de 2001 . É o verbete do livro que mais tem a ver com o título “Astros em Trânsito”. Narra , de forma direta e reta, a ascensão, brilho e extinção do mais poderoso, talentoso e vaidoso executivo da história da tv brasileira. E olha que isso não é pouca coisa.

         Como o Gabriel trabalhei muitos e muitos anos em televisão aberta e em fechadas também. Eu muito mais em tvs públicas e educativas e ele com currículo muito mais mesclado em tvs comerciais e educativas. À noite sonhamos com uma tv pública relevante no Brasil, sonhos de noites de verão que vimos virar pesadelos na medida em que os políticos definitivamente não aprendem a diferença entre tv pública e tv governamental e eclipsam tudo para atender seus interesses.

         Nos anos todos de nossa labuta convivemos mas nunca trabalhamos diretamente juntos a não ser num curtíssimo período de minha segunda passagem pela Tv Cultura Sp ( de 1999 a 2007) quando eu dirigia e roteirizava programas e documentários e ele era o segundo na hierarquia da emissora com competência e estrada para ser o primeiro com quem, aliás,  colidi e fui embora participar de outro sonho frustrado que foi a criação da Tv Brasil.

         Apesar de não termos trabalhado diretamente juntos em tv  e discordarmos visceralmente sobre temas polêmicos  da área ( como a importância ou não das telenovelas e dos reality shows) eu devo encerrar aqui essas mal traçadas dizendo que aprendi muito mais com os “Astros em Trânsito” do meu amigo Gabriel do que com nossas nem tão longas conversas  sobre “esse mundo que é o nosso”,  conforme ele escreveu para mim na dedicatória do livro.

         Assim sendo, contudo, todavia, devo dizer que o Gabriel não é, não foi e nem será um astro em trânsito da minha profissão. É um corpo celeste, sólido, didático e elegante como convém à sua vocação de corpo docente e decente  de jornalismo e comunicação. Para ele eu apago a lousa para que  sobreponha  ensinamentos das cinco décadas que tem na comunicação  e para ele levo uma maçã na minha lancheira dizendo só assim : “obrigado professor”.

Ricardo Soares – 8/9/23- 3 da manhã

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