UTOPIAS PAULISTANAS- ANHANGABAÚ

 



         UTOPIAS PAULISTANAS-ANHANGABAÚ

 

Em São Paulo houve um tempo lá no vale do Anhangabaú em que bandos de animais passavam ao lado do rio de mesmo nome e bebiam daquela água naquele mundo então tão diferente . Ali, naquela época, alguns bichos até falavam, haviam peixes e aves agora extintas e  algumas pessoas se tornavam entidades quando percebiam que não havia muita graça em ser humano.

         Naquele tempo algumas coisas agora antigas eram muito novas como acender o fogo , cozinhar comida e cabeças dos inimigos, casar , descasar, olhar para os filhos como a promessa de um mundo melhor.

         O tempo passou, o mundo não ficou melhor e onde passava o rio Anhangabaú agora existe um vale cimentado e árido , feito pela mão do homem que tudo ergue e tudo destrói. O rio jaz abaixo desse vale cinzento e perigoso e toda a beleza que ali havia, como plantações de chá e dias mais frescos ,virou agora uma desoladora paisagem apocalíptica.

         A geografia não é irreversível e o que foi mato e água pode voltar a sê-lo. Tudo é uma questão de tempo sobre tempo, mergulhar no esquecimento do que foi aquele vale lá atrás mas também esquecer que por ele passaram milhões de pessoas vivas agora mortas que lá estiveram em shows , manifestações , comícios e passeatas.

         Me vejo vagando no vale, com uma caneca de lata entre as mãos, recolhendo a água do rio Anhangabaú e bebendo, tapando o sol com a peneira dos meus olhos.  Não sei se dessa água posso beber, mas se é água que passarinho bebe eu vou arriscar. Faz um calor miserável mas como existe muita vegetação em volta chega até mim uma brisa que vem da serra do Mar com um cheiro de Santos, São Vicente, Praia Grande e Guarujá .

         As ações entre tempos e espaços se colidem e por lá enxergo casais portugueses como meus bisavós a flanar entre andorinhas se é que elas por lá voavam no passado indefinido. Meu olhar é guloso, espesso, comprido e adoraria enxergar o futuro de tudo isso  - se é que há – de uma maneira mais radiante. Grandes espaços verdes entre bancos de madeira, gente chupando cana, crianças pulando corda e discreto policiamento feito por guardas civilizados, guardiões de nossos passados.

         Uma porção de quatis atravessa o vale, meia dúzia de saguis os acompanham de cima e saruês dão botes em escorpiões. Aconteceram entradas, terminaram bandeiras, cunhou-se a estúpida aura que São Paulo é a cidade do trabalho, a urbe que não pode parar. Eu sinceramente não sei onde isso vai dar mas nessa toada ainda vai demorar muito para que os bichos voltem a falar no vale do Anhangabaú.

 

Ricardo Soares, 13/09/2023  , 8 e 13 min, Granja Viana

 

 

        

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