LITERATURA : ESPIEMOS PELO RETROVISOR
LITERATURA:ESPIEMOS O RETROVISOR
Como
escritor, nos anos que me restam de vida, gostaria de ser prolifico e eficiente
como Simenon, amado como Jorge Amado e “contornar o cabo das tormentas de mim
mesmo” (obrigado poeta Paulo Bonfim) menos abraçado a meu rancor , mas nem por
isso um deglutidor de falsos brilhantes literários.
Menos escritores e mais leitores esse é
meu mote , nem que isso pareça pedante a essa altura da vida , mas, sim, é
preciso que escritores reflitam mais sobre aquilo que vertem, mas não
subvertem.
Mais delírios, mais vertigens é o que
desejo para mim e para os escritores que considero e muito menos preocupações
com prêmios , comendas e academias é que desejo a poetas, seresteiros,
namorados, prosadores, letristas e nefelibatas.
Em outras vidas dentro dessa vida de escritos
já fui escriba premiado e esculachado, já tive retorno bom de critica sem ter
público e já tive público nos infanto juvenis sem ter crítica. Já fui lido e
desprezado, bajulado quando tinha relevância midiática e solenemente ignorado depois
dos cinquenta anos até porque sou escritor bissexto e péssimo divulgador das minhas
“escritas” .
Não me impressiono mais com açúcar e
afago, muito menos meço ou me meço com a régua dos outros. Sem querer ser um detestável “coach”
literário posso garantir que a essa altura da vida o que me importa mesmo é
escrever. E ler, é logico. E escrevo e leio porque preciso. Preciso porque não estou
pronto, parodiando aqui o colossal Paulo
Leminski.
Não escrevo para fazer amigos, embora os
faça escrevendo. Não escrevo para influenciar pessoas , embora ainda influencie
algumas para minha sorte e também me regozijo por ser influenciado.
Convivi e entrevistei ao longo da vida profissional
com alguns dos maiores autores e autoras brasileiras ( e alguns gringos) e
lamento que ao me deparar com tantos novos eu não tenha por eles o entusiasmo
do craque Antonio Torres.
O que leio das tais “novidades” me
aborrece imenso e súbito me volto para um pensamento que abominava na mocidade que
é : por favor, leiam os clássicos. São básicos para não se repetirem velhas receitas
vendidas como novas.
Sim, os novos e novas tem todo o direito
de existir e publicar , mas um pouco de humildade e conhecimento do que veio
antes é preciso para que novos editores e escritores não vendam gatos por
lebres. Assim é se nos parece. Mas, por
favor não vendam “narrativas densas” como geniais sem terem lido Clarice
Lispector, Ligia Fagundes Telles, Hilda Hilst ou Adélia Prado, só pra ficar no
mulherio. Não se vendam como reis e rainhas do “conto pronto” sem terem passado
por Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, João Antonio, Luiz Vilela e ,claro , o bom
e velho Machadão de Assis. Não falem de escrita criativa sem terem lido Campos de Carvalho, Valêncio Xavier, Ignácio
de Loyola Brandão, Roberto Drummond, Lima Barreto, João Gilberto Noll.
Para citar o Barreto lembrado acima não há
“Nova Califórnia” na literatura nacional. Sim, segue a corrida de revezamento
literário , mas sem a mesma qualidade. Nada do que parece reluzir é ouro. Não
vamos nos iludir. Tem um aluvião de novos autores e autoras, prêmios a beça
dado a escribas sem jaça, sem a mesma graça do passado e geralmente concedidos a integrantes das mesmas panelinhas que dividem
mesas em botequins da moda ou nos convescotes inócuos das Paratys da vida. Tudo
ilusão coletiva ( passageira?) que brisas primeiras e segundas levarão.
Clichês internéticos espalham por aí que
envelhecer é bom porque se pode dizer a “verdade” ( ao menos a nossa) sem temer
o julgamento de ninguém. Não sei o que é isso pois sempre pratiquei o sincericídio
e paguei por isso como me lembrou uma vez aqui no Facebook o generoso amigo Marco
Piquini. Por isso digo com convicção : o panorama das letras no Brasil é um
deserto com raríssimos oásis e com o perdão da metáfora zoada.
Já fui tomado como crítico e não sou. Já
fui tomado como “sério” , mas nesse nicho não estou. Só rogo que a maioria de quem
lida com essa lida das letras no nosso país acorde e olhe pro lado. Sem
demérito do que fizeram, mas espiar para tortos arados e poetas jabutizados que
vencem como livro do ano e quererem convencer esse velho bardo de que isso é o
suprassumo da genialidade não vai me convencer. Sinceramente eu prefiro que os
novos leitores de que estamos tão precisados entrem pela porta da literatura
via Paulo Coelho do que fujam por múltiplas portas e desvãos por tanta chatice
que nos é oferecida como “genial”. Vamos
escrever minha gente, mas vamos ler muito mais para não vender como novidade o
que é mera repetição. Tá na hora de espiar pelo retrovisor para não atropelar o
bom senso.
Ricardo Soares, 4 de
janeiro de 2024, São Carlos, Sp
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