CONFISSÕES DE UM MARCADOR DE LIVROS- 1
CONFISSÕES DE UM MARCADOR DE LIVROS 1
( Murakami, Miller,Borges,Jorge Amado
e Zagallo)
Ler
com música, ler sem música, eis a velha questão de quem marca ou não seus
livros em busca dos tempos perdidos dos autores e dos achados pelos leitores. Eu
não sou muito de marcar livros, mas recentemente meu filho lendo um dos meus
Henry Millers achou diversas marcações feitas nos anos 90 que foram divertidas
de relembrar. Sessentão que sou recordei perfeitamente porque havia marcado
aqueles trechos nos idos dos meus 30 anos, faixa de idade em que o filho está
agora.
Nos
passos de Miller tentava achar os meus e nesse compasso perdi minhas pegadas e
também as dele que hoje considero um autor desnecessário para mim embora tenha
sido muito necessário nessa minha já longa estrada da vida onde corri e não
posso parar pelo menos por agora.
E
é por agora que resolvo ( sei lá qual a serventia disso) começar apontamentos (
esboços de ensaios?) sobre meus muitos anos de leituras, não leituras ,
releituras. Pode não ter muita utilidade mas não me constranjo com isso diante
de tantos falsos brilhantes ou autores inoperantes dando pinta de coachs literários
mesmo que não tenham escrito livro algum. É a era de quem se vende melhor
aparece mais.
Dito
isso me debruço aqui do lado em um dos derradeiros livros de Jorge Amado ( “Farda
Fardão Camisola de Dormir) que ele autografou pra mim e minha ex no aeroporto de Salvador sei lá em que idos perdidos
pois a data não consta na dedicatória, infelizmente. O livro é uma enorme
zoação com os escritores ( especialmente os que se levam muito a sério) em
volta da macróbia Academia Brasileira de Letras , entidade que rescende a
formol e na qual ex-transgressores gostam de entrar também. Muitos acadêmicos
torceram o nariz para o livro que foi sucesso à época do lançamento e provou (
se é que isso fosse preciso) que Amado foi dos nossos maiores escritores. Mas
isso é outra prosa e só toquei no assunto porque estava falando no parágrafo
anterior a esse sobre escritores de papelão que se acham quando nada são.
E
aí o marcador de livros aqui – não necessariamente marcador de trechos de
livros pois considero que isso emporcalha os volumes- abre o tomo III das obras
completas de Jorge Luis Borges, essa força da natureza sombria e culta, e dou
de cara com um texto dele onde diz que a insônia “é temer e contar na alta
noite as duras badaladas fatais ,é ensaiar com inútil magia uma respiração
regular, é o peso de um corpo que bruscamente muda de lado, é apertar as pálpebras,
é um estado parecido com a febre e que certamente não é a vigília , é pronunciar
fragmentos de parágrafos lidos há muitos anos, é saber-se culpado de velar enquanto
os outros dormem, é querer mergulhar no sono e não conseguir mergulhar no sono,
é o horror de ser e de continuar sendo, é a duvidosa aurora”.
Então
descubro em Borges exatamente o que estou fazendo aqui : pronunciando fragmentos
de parágrafos lidos há muitos anos como o Miller que meu filho encontrou num
tempo em que um bambuzal não insistia em invadir meu escritório cheio de xícaras
com restos de café e anotações de romances que nunca vou concluir.
Não
sei onde vai dar . Sequer sei se vou continuar. Mas, a essa altura da vida,
brotam até como necessidade, essas confissões de um marcador de livros. Vocês vão ter que me aturar
como dizia o intragável técnico Zagallo, tido e havido como gênio da raça que
não passava de um baba ovo sem graça. Mas, tudo é avaliação e julgamento. O meu
não é igual ao seu. Sejam bem vindos.
Ricardo Soares
5/02/2024
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