Ao abrir a porta

        

 Ao abrir a porta

 

Chegando em casa, ao abrir a porta, não vou sentir o cheiro do café sendo passado e  nem o aroma de um bolo de fubá mimoso saindo do forno. Crianças banguelas não virão ao meu encontro a se pendurarem no meu pescoço.

Chegando em casa, ao abrir a porta, não vou ouvir o chiado da bronquite de minha mãe e nem a tosse tabagista do meu pai. Também não verei meu avô a jogar paciência tomando seu rabo de galo vespertino e nem minha tia envolta com suas orações noturnas.

Chegando em casa, ao abrir a porta, não sentirei o aroma de lavanda de uma limpeza completa em escadas, tacos,  frestas e  banheiros. Também não vou aspirar os aromas dos incensos da minha irmã e nem o cheiro de erva cidreira do chá há muito preparado.

Chegando em casa, ao abrir a porta, pouca coisa me assombra, mas muito passado faz sombra. Vocês podem chamar a sensação de abrir a porta e nada ver ou ninguém a te receber como solidão ou sossego. Ou até de desapego. Eu a tudo aceito pois ainda existe o desassombro do feliz latido do seu cão dentro do peito.

 

Ricardo Soares / 14 de maio de 2024


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