NUM HOTEL COM UMA PIANISTA E ESCRITORES

            


    NUM HOTEL COM UMA PIANISTA E ESCRITORES

 

Chic como Murakami ouço logo ao despertar a Martha Argerich tocando Debussy. Lavado e passado sigo para o salão de refeições do hotel onde encontro Monteiro Lobato com os bigodes molhados de café com leite que me resmunga de má vontade um “bom dia” ranzinza. De longe aceno com a mão direita para a circunspecta Clarice Lispector que se debruça sobre um ovo ( sem galinha) e torce para sair logo dali  e ir fumar seu primeiro cigarro do dia na varanda onde ouve gargalhadas gordas dos seus ouvintes o também gordo Oswald de Andrade.

            Penso, a esmo , que será um dia longo de longas e inúteis empreitas literárias, discussões sem fim sobre o começo e os fins de tanto escrever para pouco ganhar. Daí penso um pouco o contrário quando avisto levantando -se de uma confortável cadeira de palha  o Jorge Amado com sua camisa colorida do dia.

            É um dia lindo em Salvador da Bahia ou será em Cadaqués de Salvador Dali que, a propósito, não está aqui.  Henry Miller para de folhear jornais e limpa os óculos escuros enquanto  Vinicius de Moraes se pergunta se já é hora de abrir o bar  Ao que responde “não” o nada convicto Paulo Mendes Campos.

            Manuel Bandeira tosse, Drummond devaneia e na vertigem do dia Ferreira Gullar  conta que dois e dois são quatro e a vida vale a pena . Rubem Braga, caladão como sempre, observa passarinhos enquanto Fernando Sabino ri do velho casmurro.  Mário Quintana pensa nas enchentes do sul em 1941  enquanto o conterrâneo Érico Veríssimo olha para os lírios do campo.

            O sol vem vindo, tímido, tentando iluminar todo o salão. Com tanta escrita passando parece que o dia promete.

 

Ricardo Soares , 27 de maio de 2024

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