ESCREVER : CAPRICHO E RELAXO
Talvez o assunto abaixo entedie quem não é do ramo. Mas não resisti a publicar essa pequena reflexão sobre a minha profissão.
Lembrando aqui do poeta Paulo Leminski eu diria que escrever é um capricho. Escrever é um relaxo. Mas escrever profissionalmente passou a ser ,nesses tempos de bom mocismo, uma atividade asséptica, eivada de regrinhas,manuais, métodos. No jornalismo , principalmente, escrever virou uma técnica sem motivação, sem inspiração, sem personalismo. E o personalismo é bom para a escrita, mesmo que jornalística ? Ora pois, mas não vivemos festejando justamente aqueles poucos que ainda sabem escrever em nossa combalida mídia impressa ? Quem é que agüenta ficar lendo direto a revista “Veja” que na sua sanha de adjetivações e “achismos” parece ser escrita por uma única pessoa ?alma rancorosa e neo-liberal a serviço do deus – mercado...
Mas não vamos aqui ficar perdendo tempo em falar da “Veja”. Estava falando que escrever é um capricho, um relaxo. Um capricho que vira relaxo quando as pessoas que o fazem profissionalmente executam a tarefa entre bocejos não vicejando intelectualmente em ambientes refrigerados que mais se parecem com uma agência do Citibank do que com uma redação.
Todos devidamente engravatados.As moças espremidas em tailleurs e roupinhas caretésimas pois parece que nosso jornalismo agora é feito para agradar em primeiro lugar aos banqueiros e industriais. No jornalismo sou sim aquele amante à moda antiga. Do tipo que mandava flores e falava alto nas redações barulhentas , cheias de papel carbono e máquinas de escrever que metralhavam palavras entre risos, gestos largos, manifestações de afeto e ódio sempre transparentes edulcoradas por garrafas térmicas com café e copinhos de plástico, cigarros e pigarros enfumaçando o ambiente. Sim , um parque dos dinossauros.
Hoje quando me posto diante de uma neo –redação me vem um desalento profundo e não posso fugir de uma constatação óbvia : nosso jornalismo mudou pra pior ao contrário do que dizem alguns óbvios como Gilberto Dimenstein que é um bom símbolo dessa assepsia careta dos tempos “mudernos”. Também não vou perder tempo “gilbertiando” meu texto mas lhes garanto que nosso jornalismo precisa cada vez mais de tipos polêmicos e barulhentos como Joel Silveira, Samuel Wainer, David Nasser , Rubem Braga, Hamilton Almeida Filho , Marcos Faerman, Antonio Maria e outros exemplos colhidos a esmo e menos de ”gilbertinhos”, “vejeiros”, “abrilianos” e almofadinhas em geral. Não se bebe , não se ri , não se proseia ,não se fala alto nas novas redações. Impera a cultura do telefone, do e-mail, do “google journalism” .Cresce a cultura do chantilly , da superficialidade, da boçalidade, das celebridades no atacado que nos enchem o saco no varejo.
Nunca achei nada demais chegar em um hotel e ao preencher a ficha de entrada colocar a profissão “jornalista”. Mas tinha gente que se orgulhava. Hoje além de não me orgulhar , me envergonho. Tentei colocar já “escritor “ ou “diretor de tv “ mas me soou falso. Primeiro porque o escritor que mora em mim não vive de seu ofício. O diretor de tv e roteirista paga as contas faz tempo mas ao colocar um desses cargos eu me sinto inconscientemente traindo minha profissão. Mas do jeito que está a minha profissão ela já não me teria traído há muito tempo ? Respostas podem ser postadas no escaninho dos comentários. Com direito a café de garrafa térmica feito nas redações imemoriais.
Comentários
A pasteurização geral das grandes redações - jornal, tv e rádio - acabou com isso. E é curioso que num mundo tão individualista como este, do século 21, a individualidade de quem escreve vá se apagando, aos poucos, para dar vez ao estilo pastelão higienizado das chefias.
Há exceções? Claro que há. Mas há que buscar muito para encontrá-las, em todas as mídias.
Dinossauro é pouco, Ric.
Não foi somente na redação dos meios de comunicação que o ambiente mudou. Também em escritórios, indústrias e por ai vai. Hoje os ambientes são frios, funcionários robotizados e o calor humano, a troca de idéias entre colegas acabou.
No jornalismo da bem p/ perceber, pelo próprio estilo da publicação ou apresentação da notícia as mudanças. Se vende primeiro a imagem, o repórter "mauricinho", a capa bem colorida da revista e as reportagens diferentes da verdadeira proposta do jornalismo, como exemplo a revista Veja que você citou.
A realidade na notícia vem dos profissionais que tem "estilo", que como disse a Tania é essencial p/a profissão de vocês.
Tchau!
Me solidarizo com você e aplaudo esse quase-desabafo.
Aprendi a ler (ou a gostar de ler) com alguns dos excepcionais jornalistas por você citados.
É fato que o jornalismo tradicional, em escala planetária, vive uma crise, até mesmo decorrente da maior importância relativa das novas mídias digitais. No Brasil isto parece ser agravado por dificuldades econômicas das empresas jornalísticas e por uma universidade medíocre.
Este novo meio de comunicação, o blog, no qual você também começa a brilhar; pode representar um pequeno alento para esse quadro desanimador, que a rigor, se instaurou há tempos.
Permite que se publique livremente, sem edição, sem censura interna ou auto-censura e, permite que novos talentos se mostrem.
É uma pena que atomizada e dispersa como é essa nova mídia, em geral não se consiga atingir mais que um certo micropúblico específico. Acho que é preciso avançar no modelo.
Na verdade, quando penso em um escritor seja ele jornalista ou nao, gosto de imagina-lo em um ambiente esfumacado pelo cigarro com cheiro de cafe e muitas folhas espalhadas para todos os cantos. Uma visao romantica que tenho do que leio sobre os jornalistas e escritores franceses no pos segunda guerra por exemplo.
Acho que isso nao existe mais nao eh mesmo ? Uma pena...
Amanha vou publicar um post sobre a imprensa e gostaria de escutar sua opiniao. Nao so a do jornalista, mas a do escritor e roteirista tambem :)
bjs
Lys
Apesar de vc ter colocado que poderia ser entediante aos "leigos".. discordo!
Pessoas com o mínimo de interesse pelos acontecimentos diários (nacionais ou não), vivenciam indiretamente o jornalismo.
A forma que chega a notícia pode influenciar de forma totalmente errônea ao leitor. E aí mora o perigo!
Entendo que pra algumas pessoas, os jornalistas almofadinhas impressionam, tal qual as capas de revistas coloridas (como disse Picutta).. Ora, toda profissão tem o seu marketing (pessoal ou não) e dependendo da forma que for elaborado é nocivo aos desavisados.
Cabe a cada um de nós "abrir os olhos", peneirar uma montanha de asneiras expostas até mesmo pelos "jornalistas mauricinhos", redes de TV e revistas.
A imprensa manipuladora e comprada tenta fazer o que pode! (sem generalizar porque ainda vejo muita gente boa no pedaço)
Podem até me taxar de sonhadora, mas acredito nos profissionais de fato, como vc e muitos outros, que apesar das indagações pessoais, desânimo ou até uma certa revolta, continuam mantendo postura, estilo, personalidade e qualidade no que fazem (independente do glamour do local de trabalho).
A propósito, daria pra me oferecer um cafezinho da sua garrafa térmica, pois este papo vai longe...
(pra quem nem faria um comentário, falei demais! rs)
Bjs com "capricho e relaxo"
Mara
Frida, super "in" ao estilo todoprosete!!!!
Nunca pensei que fosse escrever por "obrigação", mas muitas vezes é o que faço, estou cursando faculdade de história, quando tenho que escrever sobre algo que nao domino ou nao gosto mesmo, me sinto pessima, as palavras somem, nao entendo nada que eu leio...bah, tenho que começar a me acostumar com isso...
Bom, vc falou nos trages e locais, tudo muda, né...E apesar desse papo de que o que vale é o que ea pessoas sao e tal...para muitas pessoas o que vale é a roupa...é o material!
Um abraço!
Sílvio, um coroa saudosista.
Antes dessa tal da globalização, havia uma polaridade clara, que mantinha o debate acesso, a divergência pulsante.
Hoje, parece que há um consenso, um consenso falso e/ou inocente (aliás, acabei de fazer um texto que me lembrou de uma expressão do Aldir Blanc, outro que acho que poderia constar na sua lista, que é a do "consenso da mediocridade").
Aliás, mais: consenso e medíocre devem ser sinônimos, no mundo da coerência para-além-dicionário.
Fato é que concordo plenamente contigo. Redação de jornal passou a ser, como quase todas as profissões de hoje, lugar de passividade quase mórbida, salvo dois ou três gritos descontentes. Vamos torcer para que continuem... e vamos fermentar seus ecos.
Abraço
bjs, andrea
cara, bom que você apareceu para falar isso. Assim esclareço o mal entendido. Naquela época que nos cruzamos eu era um misantropo, tímido de doer. E muitas vezes passava essa impressao, o que me custou caro, pode acreditar. Ainda bem que com o soldo de jornalista consegui pagar o taxímetro do divã. Se não virei do avesso, ao menos varri a timidez pra debaixo de algum tapete. Você não era chato e nem eu me "fiz". (bom, se você teve essa impressão,imagina as mulheres....) Mande notícias quando puder, cara.
Depois, com mais tempo, comento o seu texto. abrs,r.
Bj.
Silvana
um beijo
Nanci
Gostei do seu texto, excelente!
No assunto daqui... sou uma daquelas que ainda não tive oportunidade em redações, só em assessorias e agências de publicidade. Confesso uma vontade de invadir uma dessas qualquer diz para ver qual é. Aí, então, eu venho aqui dar um pitaco.
obrigada não só por ter lido um texto meu, mas tb por teres comentado. é isso que eu acho de mais legal nessa onda de blogs: tu nunca sabes até onde (e até quem) chega o que tu escreves! o teu comentário me dá ainda mais vontade bolar textos novos!
passarei sempre por aqui!
Sou eu Fernandinha!
Beijoka
E sabe por quê? Porque às imagens faltam as entrelinhas...
Bj no coração
posso falar com a "propriedade" de quem cursa a faculdade de Jornalismo: o lide - ou lead - é muito mais valorizado que um bom texto. Eu adoro começar meus textos com um belo nariz de cera, para "florear" mesmo, e sou criticada por isso. Enfim... a idéia nas redações é ser "curto e grosso", literalmente. Até para sobrar espaço pro anunciante, né...
beijos a todos
Um grande abraço. (LAP)
ricardo
Apareça em um blog de literatura e jornalismo em http://urarianoms.blog.uol.com.br/
Abraço.
Esse ano completa 11 anos que coloquei pela primeira vez meus pés em uma redação. Naquela época, e olha que não faz tanto tempo assim, as coisas eram bem diferentes. Tinha um editor bahiano, gente boa, que me fez cobrir política aos 18 anos de idade. Adorava. Me xingava, me fazia passar por longos fechamentos e cafés mornos. Me chamava a atenção para o texto, a importância, etc.... Hoje, nada disso é assim. Nos últimos anos assumi papel de edição e vi que editor agora só presta primeiro para "planejar" produtos que rendam mais, e segundo - se der tempo - para dar "uma olhada" no que a reportagem está fazendo. Então, a solução é empacotar todo mundo nos manuais, e o resultado é esse aí. Que você bem disse.
Nâo tenho grandes esperanças de mudança rápida. Mas, se você quer saber mesmo, acho que o jornalismo que está ai, neste formato, já acabou. E, os números em queda de publicidade e assinaturas estão ai escancarados para quem quiser ver. O on-line ganha espaço não só porque é uma mídia nova (não tão nova assim). Mas, essencialmente é um lugar direcionado às novidades. Há liberdade de se falar. E de se ter personalidade.
Hoje, quando abro a Folha ou o Estado, só leio os editoriais, as colunas de opinião. O resto é bobagem. Já vi na internet. Mas, a opinião conta. É ai que o jornalismo ainda faz diferença.
O modelo que está ai já acabou. Se há um próximo horizonte no jornalismo, sem dúvida ele é focado nas pessoas. Um jornalismo opinativo. É isso que faz a diferença. Eu quero ver o que o Clovis Rossi ou qualquer outra figurinha dessas tem a falar. Mas, não quero perder meu tempo com notícias que não tenham análise, que agreguem. Informação burra não me interessa.
beijos.... ;)
ótimo texto!!!! Como escrevi outro dia em meus "diários"..rs.. Escrever me faz sentir no purgatório, entre o céu (literatura) e o inferno (jornalismo).
Me fez lembrar daqueles fantásticos que eu lia quando ainda havia esse tal jornalismo...
E que procuro incessantemente por aí, mas tá difícil demais.
Impecável, nada mais.
Bjo.