ORAÇÃO AO CABUÇU


     Ó Cabuçu malcheiroso que vem de plagas distantes e desemboca no Tietê ! Ó riacho fétido que vislumbro da marginal onde pago os pecados padecendo num terrível tráfego rumo ao parque Anhembi! Ó Cabuçu de baixo, testemunha de nosso sonho infeliz de cidade que subverte toda a civilidade e nos rouba a felicidade nesse inferno urbano lotado de carros e péssimas rimas em prosa como essa. Ó Cabuçu que me faz ter saudade das areias do Leme no fim de Copacabana que a todos engana mas continua ali, firme , forte e decadente . Ó Cabuçu , arremedo de paisagem nessa cidade afogada em fumaça onde os cérebros definham de tanto tossir e consumir. Veja só você Cabuçu ! Compartimentado entre paredes de cimento você é a minha paisagem possível nesse inferno de marginal. Você é minha paisagem digital em meio ao caos . Registro você cuspindo esgoto porque essa é a foto possível no momento que quero fugir do calor do horror do congestionamento e já não suporto os motoboys buzinando e a rádio - trânsito alertando que nenhum bom caminho está disponível . Ó Cabuçu !!! como podemos nos ufanar dessa cidade em que vivemos? Que sonho foi esse que construímos ? para onde vamos ? desaguar no mar ou nos transformar em seres líquidos de imbecilidade, esponjas que absorvem os comerciais e seguem a vida pagando contas, carnês, cartões crediários... Ó Cabuçu das imundas fronteiras, visão do horror consentido, migalha de feiura na minha cidade partida ... eu me intoxico com sua visão , lanço mão em direção ao passado tentando buscar em Mário de Andrade uma razão para amar você riacho imundo, cidade cruel, torre de pastel oleoso em meio ao trânsito nervoso.

Comentários

Anônimo disse…
Ricardo
Uma hora na vida a gente tem que tomar grandes decisões! Não adianta você escrever nem orar porque São Paulo não tem jeito. Mude-se para o Rio, para Ipanema.Saia, por fim, do armário! Tom dizia que só seria feliz se todo o mundo morasse em Ipanema! Venha você pelo menos. Se quer uma casa grande vá para São Conrando e adjacências... Mas venha: aqui te aguardam as balas perdidas, as milícias, os "bondes" de assaltantes. Aqui não tem rio poluído porque nem rio mais tem.
Aqui você encontrará as favelas, vão te roubar o celular e bater com a coronha do revólver no vifro do teu carro, mas não tenho problema, você pode brindá-lo
Marcia Barbieri disse…
Quando estou no transito de São Paulo sempre me lembro do conto "Auto-estrada do Sul" de Cortazar.

Parabéns
Marcia
Marcia Barbieri disse…
Essa cidade é o que chamo de paradoxo, tão amada e odiada, "a mão que estende tbém esbofeteia" desculpe a paráfrase mal feita.

Abraço
Daniel Lopes
DENISE BARRA disse…
Ricardo, qual é o seu e-mail?
Quero responder em off seu comentário no meu blog.
bjs
D/ (amiga da Fe)
leve solto disse…
Ric, adorei seu texto embalado pela Bienal... Muito bom!

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Nós fazemos o lugar que moramos...

Se estou bem e feliz, os problemas ácidos do meu habitat me parecem menores.

Porém quando estou azeda... Cruzes!!! Rogo pragas em cada motoqueiro que insiste em quase arrancar meu retrovisor...

bjs

Mara
Alex Senna disse…
sua cara

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Flávia disse…
Já reparou que todo mundo tem um lado Cabuçu?

Meio escondido, mas tem.

Beijoca :)
É, meu amigo!! A coisa tá ficando cada vez mais feia.
E o pior é que estamos ficando sem alternativas!!
Pelo que li no recado do Geraldo, fugir para o Rio não é uma boa idéia!!
Hoje eu assistia um programa de turismo, na TV Cultura, e meu deu uma vontade danada de morar no meio do mato, bem longe disso tudo!!
BH está indo pelo mesmo caminho. Tem carro demais,gente demais, stress demais.
Tô com muitas saudades de nossas conversas. Some, não, sô!
beijos!!

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