LINHA DE PASSE- GOLAÇO !


Há filmes que tem o poder de reabilitar um homem com a sua cidade. Há filmes que dentro da crueza que tiram da vida que passa fazem com que a gente descubra beleza na feiúra, perceba poesia numa pia entupida, deixe escoar as emoções baratas que escorrem mas não viram lágrimas piegas pois em muitos casos a vida é tão seca, tão dura, tão árida que faz com que as lágrimas sequem.
Você que tem má vontade com Walter Salles e com Daniela Thomas tem até o direito de dizer que estou exagerando quando começo aqui a encher de superlativos elogios o filme deles , "Linha de Passe", que assisti hoje bem depois dos críticos superdotados . Você tem o direito de dizer o que quiser sobre o filme mas dizer que esse é um filme ruim seria uma injustiça tão grande quando deixar o protagonista de "Linha de Passe" no banco de reservas .
Nem o Walter nem a Daniela , ao que eu saiba, são paulistanos. No entanto fizeram um dos mais paulistanos filmes que eu já vi em toda a vida. Desde as maravilhas de Luiz Sérgio Person (como São Paulo S/A) à saga completa do Carlão Reichenbach ou alguns acertos do Ugo Giorgetti eu não via um filme ao mesmo tempo tão paulistano e universal.
Sei lá o critério que Cannes escolhe para premiar a melhor atriz. Mas para mim não devia ter premiado Sandra Corveloni pelo simples fato de que ela não é uma atriz e sim uma entidade. Uma entidade a tal ponto poderosa que você esquece que está diante de uma mulher que interpreta e pensa estar mesmo frente a frente com uma mãe de quatro filhos homens ( de pais diferentes) na sofrida e feia Cidade Líder, erma zona leste paulista.
O filme é de uma verossimilhança assustadora,de uma naturalidade impressionante. E sua poesia está mais para um martini seco do que para um vermute açucarado ou uma crônica sensível do Pedro Bial . Sua poesia não é piegas, seu humanismo gruda nas nossas roupas lembrando sem sutileza de como todos nós ( na cidade grande e desumana) estamos alheios ao drama dos outros. Ainda mais se esses outros tem a pele estragada pelo uso contínuo de frituras e óleo de soja. Ainda mais se esses outros são feios, mal vestidos , mal ajambrados e adoecem dentro dos ônibus lotados no trânsito enlouquecedor da cidade - inferno. Esse filme paulista , feito por estrangeiros ao meu estado, me devolveu aos braços da minha cidade. Quase cheguei a perdoar todos os motoboys que já me incomodaram, quase cheguei a achar graça na feia periferia sem árvores mas com esperanças. Quase cheguei a louvar o sangue no asfalto que todo o dia tinge de vermelho as nossas marginais. Não é nem o caso de dizer que eu adoria ter feito um filme desse. É o caso de afirmar que muitas vezes o cinema é tão grandioso que faz você pensar que na verdade ele é a extensão da vida que grita ali na calçada , que se faz sentir nos acostamentos, nas sarjetas, nos nada ocos buracos da periferia. Salve o cinema ! Viva São Paulo . O filme "Linha de Passe" fez com que de novo eu vestisse a camisa da minha louca cidade.

Comentários

Se eu já estava com vontade de ver, agora então..
Grande beijo e ótima semana!
alineaimee disse…
Ótima resenha! Eu estava na dúvida, mas agora vou assistir. Obrigada pela visita, e que currículo de peso, hein?
Abração!
leve solto disse…
Dicas suas são sempre positivas!
Eduardo Vilar disse…
Que bacana foi descobrir o seu blog!
Por acaso, parei aqui por sua causa. Estava procurando na net sobre o livro PanAmérica e acabei caindo num post seu sobre o Agrippino. Acabei de conhecer ele por uma referência que fizeram no Mundo da Literatura que passsou agora a pouco no SescTV.

Quanto ao Linha de Passe, já tinha escutado falar dele e tinha gostado. Agora já sei que não deixarei de ver ele na primeira oportunidade!

Estou colocando o link do seu blog no meu, caso não se importe.

abraços!
Emy Neto disse…
Seu Ricardo Soares , "meu filho", eu "tiro o chapéu pr´ôce": Julia Ormond, Lena Olin, Brigitte Bardot e Scarlett Johanson....você é um homem de muito bom gosto!!! Um brinde a sua saúde!!! Parabéns!!!
Prof. Emy Neto.
Elisabete Cunha disse…
Ricardo

Amanhã irei conferir de perto. Tenho ouvido críticas muito positivas sobre o filme, acho ótimo isso de ir atrás do filme nacional!

beijo

Obrigada pela visita!
Vee disse…
Ah, a sétima arte!!!
Salve, salve, Ricciotto Canuto. Risos.

Gosto da interação, do entrar em contato, de permitir que o filme nos afete, obviamente, quando é o caso de.

Gosto quando o filme não termina com o fim, com as letrinhas subindo e de repente, o escurecimento total da tela, mas quando as impressões e reflexões ainda que sutis reverberam e, sem o menor traço de rasgação de seda, The Oscar goes to VOCÊ!

Pela maneira fina e elaborada de traduzir seu olhar demorado.

Linha de passe: histórias que se cruzam, mas não só e isso é perfeitamente possível de se ler nas entrelinhas do que foi aqui colocado por você.

Um adendo: No ínicio você fala sobre a má vontade de alguns em relação a Daniela. Eu jogo no outro time. Risos.

Tenho enorme simpatia por essa guria. Tive a oportunidade de assistir a alguns Cafés Filosóficos onde ela versou sobre cinema e fiquei impressionada com as viagens e imersões literárias a que ela se propõe e vai fundo para compor personagens, ambientar cenas.


Gosto, sobretudo, do que está para além da mera execução de um trabalho.

Admiro quem dá a alma, se entrega de verdade ao que faz e ela é um exemplo claro isso, ao menos na minha cosmovisão.


Beijos.

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