UMA HOMENAGEM A FAUSTO WOLFF


    O meu coração não bate. Sacode, galopa, ofega, tropeça,serpenteia. Meu coração parece grande para os amores e os rancores e as vezes acho que ele me deixa deslocado nesse mundo que é uma enorme teia de hipocrisias.Não somos o que somos e sim o que devemos parecer ser e já está mais do que surrado o clichê que diz que representamos papéis. Cada vez consigo representar menos e minha sinceridade tosca já me valeu uma porção de desafetos. Mas quando acho que sou um autenticão , um homem que só diz o que pensa, um libertário de araque me vem a mente homens e escribas como o récem- falecido Fausto Wolff sobre quem estou ensaiando escrever desde que ele morreu semana passada. No geral, como era de se esperar, os poucos obituários que lhe dedicaram não lhe fizeram justiça até porque Fausto era a antítese, crítico feroz dessa mídia venal e vendida de hoje em dia, capitaneada por almofadinhas montados em tecnocráticos manuais de redação. Um homem fora do seu tempo, alguém já definiu Fausto Wolff como a parte do Pasquim que não solicitou a bolsa-ditadura, um homem que encarou de peito aberto o próprio preço de dizer e escrever o que pensa, sem medo de ferir suscetibilidades. Boca rota, falastrão, chato, arrogante , grande , violento e inteligente. Tudo isso ao mesmo tempo acrescido de um texto anabolizado de picardia, talento, maldade. Um boca do inferno até os seus últimos dias quando ainda escrevia uma crônica semanal para o Jornal do Brasil. Apesar de não ter recebido as devidas homenagens Fausto teve quem escrevesse lindamente sobre ele conforme relatos que recebi enviados pelo meu amigo Percival Brosig, arquiteto e humanista, humanista e arquiteto, apreciador das boas coisas da vida e admirador do Fausto. Sou grato ao Perci pelos textos enviados mas nem me atrevi em citá-los aqui, pois mais bem escritos que o meu, empanariam a homenagem fajuteca que estou tentando fazer ao Fausto do alto de minha insignificância quase cinquentona.

O que na verdade queria dizer sobre o Fausto é que ao contrário do colega blogueiro Dauro Veras ( linkado nesse blog) tive a chance de partilhar um único, raro e intenso momento com o Fausto. Dauro espera poder ter a sorte desse encontro em próxima encarnação. Eu gostaria de repeti-lo. Admirador de Fausto desde muito jovem ( e sempre defensor da opinião de que ele é um dos grandes injustiçados escritores desse país ) o convidei certa feita para participar do programa "Literatura" que eu dirigia e apresentava. Ele estava então lançando o contundente romance "A mão esquerda".

Gravávamos num estúdio na rua padre Antonio José dos Santos no Brooklyn numa época ( não me lembro se 1999 ou 2000) em que o "Literatura" era gravado em estúdio , tinha uma hora de duração e dois convidados por programa.Fausto chegou relativamente cedo trazido por um motorista que o buscara no aeroporto de Congonhas. Preferiu esperar no Blend, um bar ao lado, a sua hora de ser entrevistado. Poucos momentos antes de começar a entrevista Lena Lima, produtora do programa, veio em pânico me dizer ao ouvido que Fausto estava de pileque. Pensei com meus botões que seria um osso entrevistar Fausto naquele estado mas segui adiante. No estúdio, frente a frente, ele me olhava com desconfiança pois apesar de ter aceito o convite para a entrevista creio que nunca havia ouvido falar de mim ou do programa. Momentos antes de começar me perguntou direto :


--- Você sabe alguma coisa a meu respeito ?

--- O suficiente para te entrevistar ... respondi no mesmo estilo John Wayne frente aos comanches .

Conforme a conversa foi rolando,com Fausto dando muito pouca bandeira de sua embriaguez, ele foi vendo que se eu não era o melhor entrevistador do mundo ao menos sabia o suficiente sobre ele para que pudéssemos levar uma boa prosa. Quase no fim, tanto eu quanto ele, nos emocionamos quando ele falou de um belo livro infantil de sua autoria que era dedicado a sua netinha , filha da estonteante loira que era sua filha e que foi buscá-lo ao final daquela entrevista. No fim ele estava eloquente e gentil , me abraçou , disse que tinha adorado o papo e que aquela havia sido uma das melhores senão a melhor entrevista que ele já havia dado na vida. Conclusão tirada provavelmente pelo seu calibradíssimo grau etílico. Insistiu muito para eu tomar mais uns uisques com ele no Blend mas declinei do convite não me lembro se por medo dele , da formosura que era a filha dele ou se porque eu tinha um compromisso mesmo. Nunca mais vi Fausto Wolff. Mas tenho na lembrança essa entre centenas de entrevistas pois ali tive a certeza de que estava diante de um homem que não fazia um tipo para agradar seu interlocutor. Diziam que num bar ele era insuportável. Não paguei para ver. Fica dele pra mim a imagem de um autor talentoso, um homem indignado e uma fortaleza de pensamento. "Tim-tim" Fausto Wolff. Nessa madrugada estou tomando um uísque em sua homenagem. Que a morte lhe seja leve e que a estupidez que o ignorou faça justiça ao seu nome para as gerações futuras. Eu, enquanto durar nessa vida provisória, vou continuar dizendo que você era dos bons.

Comentários

Anônimo disse…
Nessa época de eleições, lembro ( de memória ) uma das incríveis frases de FW, perpetrada sob a assinatura de seu personagem , o cronista social Nathaniel Jebão : " Vote num ladrão, ele não te decepcionará"
Anônimo disse…
Este texto vale por todos os esquecimentos.
Fausto Wolff escarneceu do jornalismo chapa-branca e da bundamolice geral.
Anônimo disse…
Ahhh, que delícia de texto!

especialmente, por que conheço pouco dele... E, fiquei imaginando a situação. Bela homenagem.

sim, você me conhece: gosto dos viscerais. Ou como diz uma amiga minha, "você gosta é dos indóceis"..rs.rs..rs.

Fausto parecia ser dos bons, como você disse...

agora, quatro comentários básicos:

1. Se o Blend falasse.. já tinha sido expulsa do Brooklin.

2. Eu não recusaria NUNCA o convite de FW. :) (viu, porque seria expulsa? rs)

3. Tem medo das loiras? Como assim cara pálida? rs (não, não sou loira..rs.. )

4. Quando você fará o bendito programa de literatura na TV Brasil? hã??? Não aguento mais ver o Mundo da Literatura repetido..

(e ainda assim eu assisto). rs rs rs


thau, beijo no amigo indócil..rs. e fujão de loiras..rs

adorei o texto.
Anônimo disse…
Ricardo,

nessa vida, muita vez presenciamos a história passar ao nosso lado e, quando damos conta disso (quase sempre muito mais tarde do que gostaríamos), ficamos pensando por que não aproveitamos mais dela quando estava tão perto... e, aí, o que nos resta é escrever sobre o que perdemos, sobre o que poderia ser e não foi... ficamos com as sobras de nós mesmos...

ps: faço coro com K. sobre o programa na TV Brasil.
Anônimo disse…
Sou uma admiradora master do seu trabalho das suas letras empilhadas, esticadas, embaralhadas ou da forma que você bem entender,o que importa é que elas me envolvem de qualquer maneira!!! Seja em uma homenagem ou numa crônica de domingo!
Alias conheci você justamente por uma "crônica de domingo".
Um abraço de urso!
Obrigada!!
Anônimo disse…
Sou uma admiradora master do seu trabalho das suas letras empilhadas, esticadas, embaralhadas ou da forma que você bem entender,o que importa é que elas me envolvem de qualquer maneira!!! Seja em uma homenagem ou numa crônica de domingo!
Alias conheci você justamente por uma "crônica de domingo".
Um abraço de urso!
Obrigada!!

OPS....
Thalita Araújo disse…
Bela homenagem. Um texto assim, costurado com fortes emoções e dignas memórias, enlaça qualquer leitor.
Não tenho dado muita atenção ao meu blog, infelizmente. Mas acabo de postar uma entrevista com uma personalidade bacana da cultura mato-grossense, fundador e maestro da orquestra do estado. Qdo tiver um tempo pra ler passa lá! Grande abraço e uma semana produtiva!
Grande texto, Ricardo.
Tentei algumas palavras também, mas não cheguei aos pés da sua homenagem. Disse tudo que eu teria dito..
Perdemos, realmente, um grande jornalista, nesse país de péssimos jornalistas..
E quanto a entrevista, gostaria muito de vê-la.. Sabe como posso consegui-la?
Abração
ARMANDO MAYNARD disse…
Parabéns Ricardo por homenagear este jornalista íntegro, que quando vivo era eternamente INDIGNADO com os desmandos de nosso querido Brasil.Fausto tinha um jeito pecular de CRITICAR e DENUNCIAR,fazendo muitas vezes um discurso que gostariamos de fazer também.Sem a menor intenção de tornar-me um "coliriologo" venho mais uma vez sugerir duas maravilhas da natureza: CATE BLANCHETT e MONICA BELLUCI, para os próximos "colírios".Um abraço, Armando (lygiaprudente.blogspot.com)
Dauro Veras disse…
Grande Ricardo! Bela homenagem. É, dizem que o homem era chato no bar, mas tenho certa tendência a pagar pra ver se os ditos chatos são mesmo assim - o que tem me trazido ótimas surpresas, porque quem fala o que pensa costuma ser muito interessante. Em falta de uns tragos com ele (não creio que haja uísque no céu, e o do inferno deve ser paraguaio ou brasileiro), fiquemos com sua herança em letras. Abs!
Sergio Caldieri disse…
Parabéns Ricardo Soares pela bela homenagem ao meu amigo Fausto Wolff. Quando ele faleceu, fiz uma homenagem como representante do Comitê da Palestina ao lado do seu corpo no Cemitério São João Batista. Fiz um artigo, foi traduzido para o árabe e distribuido 1.500 imeios para o Oriente Médio, aos jornais, partidos políticos e páginas na internet.

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