A BLOGOSFERA, O FUNDO DO BAÚ E O HOTEL JANDAIA

Clichê ou não , ainda ontem eu falava no Rio para a minha amiga Tania Celidonio (que inaugurou ontem seu blog - Clique aqui ) que a blogosfera quase todos os dias nos reserva boas surpresas. Pois não é que agora pouco chegando de uma cansativa viagem de carro desde o Leme(Rio) à Granja Viana(Sp) eu abro o computador e depois de checar os e-mails dou conta que a minha fotinho do perfil desse blog estava fora do ar. Quando passo a procurar outra dando um "google" no meu nome me deparo com a "supreendente surpresa" abaixo ... a redundância é proposital.
Durante os anos de 1993 a 1998 publiquei todas as quintas- feiras uma crônica no caderno Cidades do Estadão. Meu habitual relaxo fez com que eu perdesse a maioria delas e tenho recorte de muito poucas. Nunca as reuni em coletâneas ou mesmo tive a pretensão de publicá-las em livro. Mas vez por outra trombo com uma delas por aí e não me lembro de ter falado do assunto nesse blog. Essa crônica abaixo, por exemplo, é bem antiga , não me lembrava... foi achada no blog (que parece desativado)da Lilla Ferreira (http://lillaferreira.blog.uol.com.br), uma amável leitora do passado que não conheço. Conservo o texto conforme foi publicado no blog dela inclusive com as considerações finais de sua lavra. E volto a dizer : que curiosa essa internet né ? que fascinante essa blogosfera ! Em um dia onde não me acho nem lá no Rio , nem cá em São Paulo dou comigo mesmo em 1994 através de um blog de uma mulher que não conheço ...
foto do hotel Jandaia

Crônica

PATINETE :O EXÓTICO DO HOTEL JANDAIA

Ricardo Soares

Patinete é um sujeito à moda antiga. Agora que rompeu com a doce Nemércia, saiu da casa da senhora sua mãe e resolveu mudar, de mala e livros, para um quarto do hotel Jandaia ali na avenida Duque de Caxias. Não suportaria as lembranças de Nemércia na casa de sua mãe.

Patinete lê poemas de Torquato Neto e acredita, como Cacaso, que dentro dele mora um anjo que tem a boca, a cara e a alma pintadas. Odeia o modismo ao redor de Nelson Rodrigues porque o lia muito antes, desde a época em que Nelson era rotulado de reacionário. Aliás, Patinete parece saído de uma história de A Vida Como Ela É...

E a vida é assim para Patinete. Assinar o ponto na repartição pública uma vez por semana. Empregão herdado por influência da mãe. Alternar amores platônicos com versos derramados.

Mesclar a vida de momentos de porres e abstinência. Correr no Ibirapuera, passando a semana a frutas e água mineral com gás. Na semana seguinte, comer churrasco gordo, lingüiça frita, coxinha de padaria e litros de cachaça ordinária.

Ele paga o hotel Jandaia por mês. É amigo dos funcionários que nada entendem de sua fascinação pela vida dos santos. Especialmente Santo Agostinho de quem é devoto e defensor fanático.

Patinete blasfema, mas vai á missa. Adora as que são faladas em latim e não perde a das dez da manhã de domingo, na Igreja São Bento, que tem no cardápio cantos gregorianos.

Ultimamente, Patinete anda mais passional do que nunca. Se identifica muito com a vida e obra de Vinícius de Moraes. Especialmente depois que dona Nemércia – aplicada escriturária residente no Mandaqui –o largou. Não agüentava mais as bebedeiras e promessas de casório de Patinete.

Apesar do rompimento não há dia que ele não ligue para Nemércia. E fica mais melancólico ainda conforme avança na leitura da biografia de Vinícius escrita pelo José Castelo. Nos seus sonhos delirantes de olho aberto – sim, ele só sonha de olho aberto! – dedicou aos dois um longo poema, intitulado Lo Pasionario do qual transcrevemos alguns trechos com a devida licença do autor:


Para se viver um grande amor não é preciso pijamas de listras/chinelos macios, água no toucador. Para se viver um grande amor /é preciso andar no bonde errado/ amassar os travesseiros, quebrar os castiçais/ fumar o cigarro pelo filtro/ tomar iogurte com licor de anis/ ver que a vida está sempre por um triz.

O poema é longo e, como Patinete teme sempre o plágio, nos autorizou além dos versos acima apenas a transcrição desse arremate final:

Para se viver um grande amor/ é preciso aprender alguns versos/ riscar o bom senso da poesia/ jogar água fria no rosto/ vencer o torpor da apatia.

Patinete não permite que eu divulgue sua verdadeira identidade mas tem prazer quase mórbido em apregoar suas opiniões. Por exemplo: aos 37 anos acha-se insultado quando lhe dizem que o expoente máximo da poética de sua geração é Arnaldo Antunes. Quase espuma de ódio quando ouve isso e repete, lembrando seu ídolo Nelson Rodrigues.

- Aquele é uma besta... um cretino fundamental... ainda mais com aquela cara de larva subterrânea. Manda o sujeito tomar banho?

Sim é bom lembrar que Patinete não gosta de rock embora tenha o máximo respeito por Rita Lee e Os Mutantes. Acha a juventude atual “superlativamente idiota” e na televisão assiste a jogos de futebol e aos programas de Celso Russomano e Athaide Patreze. Sua atração pelo bizarro é incontrolável.

Embora sua luta fundamental seja para reconquistar o coração de Nemércia, Patinete tem outro objetivo a curto prazo. Quer publicar um livro com os seus poemas.

Nemércia, por sinal, gosta muito de alguns deles embora se embarace com palavras como afã, paradoxal e pragmático. E pragmatismo, afinal, também é o forte de Patinete. Ele não se cansa de dizer que a vida tem “nuances” e que nasceu na década errada. Vive sonhando com a Vila Esperança de Adoniran e com a avenida São João de Paulo Vanzolini.

É por isso que de noite ele ronda a cidade a procurar Nemércia sem encontrar. Ela pudica e cansada, repousa sob os lençóis no Mandaqui enquanto ele amarrota o fígado aqui, ali, acolá e mais adiante. Patinete sempre diz que a vida não é pra ser vivida de capacete.

Jornal O Estado de São Paulo – Caderno Cidades – 23 de março de 1994

A velha mania de guardar coisas. Curioso ver anos depois o recorte que se fez da leitura de um livro, jornal, de um momento. Essa crônica tem de tudo. Polêmica, reflexão, romance, poesia, mas se não estou enganada, o que me fez pegar a tesoura e recortá-la foram duas palavrinhas: hotel Jandaia, Duque de Caxias, próximo ao prédio da Folha de São Paulo. Ponto de encontro de artistas de várias gerações, principalmente da saudosa Continental, onde trabalhei alguns anos até que nossa última grande gravadora nacional se rendesse ao capital estrangeiro, hoje apenas um selo da Warner. Lugar de grandes recordações, de um tempo em que não usava capacete. O que me recordo agora, é que de brincadeira, o conhecíamos informalmente por “hotel gandaia”. Pra mim, na época, também um local de trabalho, mas templo de muita diversão. ( Escrito por Lilla Ferreira no blog dela no endereço http://lillaferreira.blog.uol.com.br)

Comentários

Anônimo disse…
Bem que esse Patinete poderia ser "Patineta"...rs.
Em 94 eu não me encaixaria, afinal estava descobrindo os Doors, "rebeldia" que deveras precisamos.
Hoje, mesmo longe dos 37 ando meio Patinete, achando que "a vida não é para ser vivida de capecete". Culpa do Vinícius.

Esse clichê da blogosfera é bom: descobrir.

Abraços e muito bom!
Já eu, fuçona que sou, tenho várias crônicas garimpadas na internet desde 2002!!! Todas guardadinhas no meu "dossiê" Ricardo!! rsrs
E aí, moço? Tudo bem por aí?
Beijos
Anônimo disse…
Como você se ama, né? Poucas vezes vi um blog tão narcisista e egocêntrico. E como anda seus próprios textos!
Sem contar a tentaiva de se vender, colocando toda sua carreira na descrição.
Parabéns, você realmente é "todo prosa".
A falta de humildade e a pretensão são um perigo.
Ricardo Soares disse…
Danitza...
a gente descobre de tudo na blogosfera... gente boa, gente ruim, gente que tem como propósito edificar, gente que tem como propósito desmoronar... é a natureza humana nas suas mais diversas manifestações... aqui dentro reflete o que há lá fora... heterogeneidade...eita palavra dificil... bjs

Ana Paula... tá tudo bem ! azar o seu que guarda joio achando que é trigo... hehehe...beijão pra vc e aqui está tudo bem ... e aí como vão as coisas ?

Lucca... tá na cara que esse seu nome é falso ou pseudônimo ...as pessoas que atacam nos blogs geralmente não tem coragem de se identificar de verdade... se vc acha que esse é um blog narcisista e egocêntrico é direito seu . Mas lhe aviso : é muito menos que outros tantos blogs que existem por aí. Quanto a tentativa de me "vender" te digo que não estou à venda. A descrição é só um resuminho do que eu fiz na vida e do que não me envergonho. Azar o seu se isso lhe causa inveja. Eu realmente sou "todo prosa" e com muito orgulho. Eu talvez não me ame tanto quanto os que aqui me visitam deixando comentários elogiosos. Mas mesmo esses não se importam tanto assim comigo quanto você. Eu não tenho mesmo problema de auto-estima e se gostasse tanto assim de mim e não fosse democrático deletaria seu comentário baixo astral ...mas deixo espaço aberto pra todo mundo. Gente que edifica e gente que desmorona como disse para a Danitza...feliz ano novo e procure um analista...

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