JORNALISMO CULTURAL : QUANTO PIOR MELHOR ?

Meu amigo Rinaldo Gama (editor do suplemento ALIÁS do jornal O Estado de S.Paulo) montou um completo curso de pós graduação em jornalismo cultural na FAAP de São Paulo e cometeu o desatino de me convidar para ser um dos professores convidados. Ontem falei (e em mais duas aulas de três horas cada nas próximas quartas-feiras) do jornalismo cultural praticado nas revistas brasileiras . Em maio darei pitaco sobre o jornalismo cultural televisivo. Não sou dono da verdade no setor mas se não sei fazer meu marketing pessoal asseguro ao prezado leitor que tenho larga experiência no gênero tanto em jornal como em rádio, televisão e revistas. Ontem , na primeira aula do curso , uma classe composta apenas por mulheres me surpreendeu por não se comportar como uma platéia passiva como meu preconceito esperava. Sai mais bem do que mal impressionado achando que ainda é possível imaginar uma reversão no quadro de nosso combalido jornalismo cultural que , diga-se de passagem, vive seus piores dias em muitas décadas segundo a modesta opinião desse veterano. À guisa apenas de guia para a conversa de ontem (não é um texto definitivo nem pretende pontificar verdades absolutas sobre o tema)usei como contraponto o que vem escrito logo aí abaixo. Afinal , por que comprar como consenso a tese que o jornalismo cultural brasileiro começa com a criação do caderno B do JB nos anos 60 e não defender a tese de que um gênio como Câmara Cascudo ( foto abaixo) não foi um precursor total ? pensemos a respeito... a propósito disso a tese que defende o mestre potiguar como um pioneiro não é minha e sim do jornalista e escritor ( também potiguar)Franklin Jorge.Câmara Cascudo é um pioneiro ?

JORNALISMO CULTURAL . APENAS UMA ABORDAGEM

Não é triste mudar de idéias, triste é não ter idéias para mudar”. A frase do esquecido e sarcástico Aparício Torelly, o Barão de Itararé, ele próprio , de certa forma, um precursor do jornalismo cultural, ilustra bem o que tenho a dizer sobre a prática jornalística que gravita ao redor dos assuntos culturais.

O que penso hoje do jornalismo cultural de mídia impressa, sobretudo o que é feito nas revistas, é muito diferente do que eu pensava no início de minha carreira. Hoje acho triste especialmente que não tenhamos idéias a mudar como temia o Barão de Itararé. O jornalismo cultural parte de falsas premissas, pratos feitos e já servidíssimos pelo mercado, preconceitos. Está muito mais ligado a marketing cultural do que a jornalismo cultural. Ou seja :divulgue-se bem e fique bem na fita. Por isso os assessores de imprensa, consultores e personal bullshits se tornaram tão primordiais.

Não quero aqui dar uma visão rancorosa e nem truculenta do que está acontecendo até porque existem exceções às regras. Mas , no caso, são poucas. Até porque boa parte dos jovens profissionais que ingressam no mercado nesse segmento não seguem a brilhante premissa do professor, escritor e antropólogo Darcy Ribeiro que dizia : “ Jovens duvidem !”.
Isso posto quero dizer a vocês que aqui estou para de certa forma desafinar o coro dos contentes. Dizer que pouco, muito pouco do que se produz em cultura no Brasil está nas páginas culturais das revistas. Pouco ou muito pouco é pautado pela qualidade. Pouco ou quase nada reflete o que de fato está acontecendo culturalmente nos quatro cantos do país. Isso sem contar a catastrófica e triste colonização cultural que nos fazem crer que somos uma sucursal do Soho novaiorquino quando não passamos de uma colônia chicana pra os gringos que mal e mal conhecem nosso carnaval e futebol. Nos atribuímos uma importância que não temos de dentro pra fora e de fora pra dentro macaqueamos qualquer novidade que vem de fora abrindo muito mais espaço para uma banda de garagem londrina ou um escritor dinamarquês do que os produtos locais.Defender a cultura brasileira nas páginas das revistas brasileiras que falam de cultura não se trata de xenofobia e sim de levantar nossa auto- estima. Não seremos mais pródigos ou mais civilizados se soubermos de cor os programas de ópera de fora ou as novidades da Broadway e não soubermos quem foi Artur Azevedo, Mário de Andrade, Campos de Carvalho, Rosário Fusco, Nise da Silveira, José Agripino de Paula, Valêncio Xavier e Luis da Câmara Cascudo. Isso para citar poucos nomes mas que de alguma forma representam transgressão e brasilidade. Produtos culturais em estado bruto que só poderiam vicejar no Brasil.Dou apenas uma rápida passada no escritor e folclorista Luis da Câmara Cascudo que tendo nascido e vivido em Natal, Rio Grande do Norte, construiu uma das mais importantes obras de identidade nacional, uma obra universal. Muitos defendem que Cascudo , quando se debruça em questões culturais, foi um pioneiro do jornalismo cultural não só pelo tema que escolheu como pela maneira como a qual escrevia sobre o assunto.
No blog do escritor e jornalista potiguar Franklin Jorge ele conta o que Cascudo fez em 1934...

Experiente no ofício que abraçou aos dezoito anos, Cascudo está incluído entre os precursores do jornalismo cultural, ao evidenciar em seu livro ( Viajando o Sertão)aspectos característicos do gênero, segundo a posterior classificação de Tom Wolfe, um dos criadores do chamado Novo Jornalismo que surgiu em Nova York e contaminou a imprensa moderna a partir de 1960. Um jornalismo dominado “por uma esmagadora necessidade de fazer parte do mundo real”, que o levou a realizar uma espécie de autópsia social, histórica e etnográfica, ao exigir-lhe o exercício do pensamento e uma intervenção direta no processo da entrevista.

Em “Viajando o Sertão”, o livro mais revelador do processo de trabalho de Cascudo, mostra-nos o repórter em ação e não o intelectual de gabinete, atrás de um birô, sem contato direto com o objeto de sua escrita. Medularmente jornalista, formado na escola do jornalismo desde os dezoito anos, quando o pai o presenteou com um jornal – A Imprensa –, Cascudo ia em pessoa à procura dos fatos, antecipando-se aos manuais do jornalismo moderno. (...)

Em seus textos jornalísticos exercita Cascudo — avant la lettre — alguns característicos do New Journalism, o jornalismo cultural por excelência. Um jornalismo, digamos subjetivo, em oposição ao jornalismo objetivo que terá inspirado a Nelson Rodrigues a paradigmática figura do “idiota da objetividade” – um vulgar portador da informação desprovida de conhecimento.

Comentários

Anônimo disse…
Ricardo, primeiro fico feliz em ter uma referência ao grande Campos de Carvalho - esse é dos BONS e precisa ser "descoberto" rapidamente ( chega de clones de Dan Brown!rsss).

Pois é, o "complexo de vira-lata"...aquela história "é do exterior, é de qualidade".

Mas eu gostei mesmo disso aqui:

"pouco, muito pouco do que se produz em cultura no Brasil está nas páginas culturais das revistas. Pouco ou muito pouco é pautado pela qualidade."

Eu juro que não ia fazer alguma referência à política, mas não tem jeito: a "grande imprensa" se espanta com a popularidade do Lula porque não vai ao sertão, não dialoga com o interior do Brasil, enfim, faz um jornalismo apenas para um grupo muito restrito. Com a cultura é a mesma coisa. Tem muita coisa boa acontecendo por aí, muita gente que tem o que mostrar e com qualidade - e dificilmente sabemos. A divulgação é na base do "boca a boca" mesmo.

Mas deve rolar uns jabazinhos, né, Ricardo?

abs!
Tania Celidonio disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Tania Celidonio disse…
Ric,ótima oportunidade para descobrir que a moçada pode estar duvidando de tudo, né mesmo? Queria enviar um recadinho para Groo: entrei no seu blog, achei muito gostoso de ler e de rir. Mas não encontrei nenhum lugar pra deixar comentários. É assim mesmo?
ARMANDO MAYNARD disse…
"JOVENS DUVIDEM" (Darcy Ribeiro), LEIAM MAIS OS BLOGS, POIS "NÃO É TRISTE MUDAR DE IDÉIAS, TRISTE É NÃO TER IDÉIAS PARA MUDAR "(Barão de Itararé). Ricardo, parabéns e obrigado por dividir um pouco de sua aula. Sinto falta do seu programa de literatura, que era apresentado na Tv Sesc. Realmente o Brasil é muito rico culturalmente, e a imprensa do sul vive numa redoma, a falar somente de Rio e São Paulo, esquecendo-se que nosso país é rico e diversificado culturalmente. Caro Ricardo, me dê licença para que eu faça justiça a um programa, é o "Via Brasil", levado ao ar pela Tv de assinatura Globo News, apesar de ficar restrito a um pequeno público - infelizmente por ser uma tv fechada - mostra um pouco dessa diversidade cultural de ‘nossos muitos brasis’, terra que amamos tanto, e que por isso precisamos estar mais indignados como nunca, com tudo que vem acontecendo de errado tanto na área cultural como na politica, deixando de sermos CALADOS, OMISSOS e ACOMODADOS, usando desse meio fantástico que são os blogs, como você bem sabe fazer. Um abraço, Armando [recomentarios.blogspot.com]
Anônimo disse…
o jornalismo cultural brasileiro agoniza, enquanto a mídia de 'celebridades' viceja. há com certeza, forte ligação entre as duas coisas.
Anônimo disse…
Grande Ricardo, obrigado pela lembrança dessa genial brasileira Nise da Silveira, responsável pelo "parto" de um artista maravilhoso como Bispo do Rosário.
Teu texto, como sempre, é um presente para entender a cultura brasileira.

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