JORNALISMO CULTURAL NA TV é uma lenda urbana ?

Não sei se o assunto, caudaloso como está , vai interessar os leitores desse blog , ainda mais nesse feriado. Mas mesmo assim arrisco e vou pagar pra ver. Foi escrito para servir de base de argumentação e discussão com as alunas do curso de pós-graduação de jornalismo cultural da Faap. O mais paradoxal quando vai se falar de jornalismo cultural na tv é descobrir que não existe essa modalidade se partirmos do principio de que tv não é cultura mas,quando muito, entretenimento ou “serviço estético” como diria Umberto Eco. Isso pode por vezes receber pitadas de cultura. Como um bolo não lá muito consistente que recebesse grossas camadas de chantilly para que ficasse mais convidativo, mais atraente.
Ou seja, mesmo quando garante estar vendendo cultura na verdade a televisão está espetacularizando a cultura, a cena cultural e seus personagens. Cientes disso tantos os agentes culturais quanto os emissores estabelecem uma relação quase promíscua onde um faz uso do outro e ambos desfrutam das benesses da audiência ou da polêmica.
Exemplo disso são diretores de teatro essencialmente midiáticos como José Celso Martinez Correa e Gerald Thomas – sem entrar no juízo de valor sobre suas vidas e obras- que ao se pronunciarem com declarações polêmicas, jocosas ou mesmo pedantes visam em primeiro lugar chamar a atenção sobre si para depois falarem longamente sobre a obra que estão encenando. Ou seja, mais que cultura ou releitura da cultura, fazer arte antes de mais nada é adotar uma "atitude" por mais desgastada que esteja essa palavra fartamente adotada por homens de marketing que a associam a juventude, posições pseudo contestadoras ou pseudo radicais porque antes de mais nada visam buscar um nicho de mercado e não remar contra ele.
Pois então como falar de jornalismo cultural na televisão quando parece que o gênero parece nem existir se levarmos em conta que os poucos programas da área estão mais ligados às agendas culturais do dia ou da semana do que propriamente na discussão e divulgação da cultura em todas as suas nuances ?Cultura na tv passa então a ser cultura de mercado, cultura de assessoria de imagem , assessoria de imprensa, departamentos de marketing e divulgação. Cultura na tv passa a ser a peça com grande público dirigida por um diretor da rede Globo e de preferência estrelada por um ator do primeiro time da mesma emissora. Cultura na tv passa a ser o filme do momento, o mais premiado ou aquele melhor divulgado, melhor distribuído , com mais galardões. Cultura na tv passa a ser o livro do autor que mais sabe se promover, o que freqüenta as festas e as colunas mais badaladas, aquele que de preferência flerte com outras artes e seja coberto de glamour, prêmios, assessores de imprensa ,imagem e agentes literários. O mesmo vale para as artes plásticas, com seus curadores influentes e seus marchands autoritários. O mesmo vale para a dança, a música, o show bizz. O que importa não é ser , é parecer ser, é convencer ser, é ter-se em alta conta para que todos sejam convencidos de que você, culturete do momento, está em alta conta mesmo. Nesse caso as aparências não enganam. É mais talentoso quem chama mais a atenção sobre si. Sobretudo na televisão e na pseudo-cultura que a embala.
Estamos diante da materialização total da já batida e remota frase de Andy Warhol que dizia que no ano 2000 todos seriam famosos por 15 minutos. No entanto talvez já estivesse implícito nessa frase o quão efêmera seria essa fama de 15 minutos. Uma fama em quantidade e não em qualidade. O que vale mais é como uma opinião ,uma idéia e um conceito é vendido e não o seu real conteúdo.
Nesse contexto é bom que levemos em conta que se o jornalismo cultural nas mídias impressas ainda deixa espaço para a opinião, posicionamentos prós e contras a respeito de inúmeros lançamentos culturais, isso desaparece completamente na televisão. O jornalismo cultural na tv é meramente constatativo, inócuo, insípido e inodoro. Ele aprecia a paisagem . Não interfere nela. Não muda um único móvel do lugar. O que importa é a novidade. Quanto mais nova, melhor. È o juveniilismo levado às ultimas conseqüências.
Nem cultura popular , nem cultura letrada, nem cultura acadêmica. Quando muito a tv tem mostrado a cultura periférica não porque a adore mas porque ultimamente ela tem se tornado também um belo produto de mercado como se percebe em vários segmentos como a glorificação do filme “Cidade de Deus” de Fernando Meirelles , a popularização do funk carioca e o rap paulista e as incursões pelas periferias da atriz global Regina Casé. Sorry periferia mas ela agora está na moda, é a bola da vez mesmo que os Racionais Mcs relutem ou protestem. Aliás eles também transformados em q-sucos da nossa industria cultural por mais que façam poses de marrentos. Afinal o que quer Mano Brown ? falar mal do sistema e da rede Globo mas também vender cds e shows para criar seus filhos com dignidade. Criar os filhos com amor ao gueto mas largando o gueto. Gueto que faz as histórias de Ferrez e de outros escribas da periferia mas guetos que eles gostariam de ver transformados em lugares pseudo-seguros mais belos e confortáveis como os Jardins ou as Ipanemas da vida.
Mas se o gueto cai no sistema onde vai parar a cultura do gueto ?. Vira massa de tomate como tudo aquilo do qual a televisão se apropria e nos devolve reciclado. O jornalismo cultural na tv não debate isso. Não discute, não polemiza, não quer incomodar ninguém. Quer constatar e vender . Quer audiência mesmo que teoricamente seja desobrigado disso como no caso das tvs públicas.
Por todos esses motivos é que cada vez menos o jornalismo cultural da televisão revela e mostra novos talentos. Está mais preocupado com a constatação , com o estabelecido do que com o talento incipiente, promissor. Foi-se o tempo em que se apresentavam na tv novos talentos desconhecidos como Marisa Monte, Cássia Eller , Ed Motta e Adriana Calcanhoto que apareciam no Metrópolis da Tv Cultura antes ainda de lançarem os primeiros discos ou na fase de lançamento dos seus primeiros trabalhos. Hoje o jornalismo cultural televisivo além de ser esvaziado de opiniões não arrisca nada . Por conseqüência não petisca e vemos ( por motivos muitos) que os poucos programas culturais além de previsíveis são absolutamente inócuos e tem baixíssimas audiências. Ou seja ninguém acontece porque deixou ou não de comparecer ao Metropolis e suas derivações. Esse papel, ainda que tímido, está apenas reservado ao patético programa de Jô Soares onde a única estrela a ser convidada todos os dias pra dialogar consigo mesmo é o gordo apresentador. Jô ,em conseqüência, parece ser o único e tosco agente de difusão cultural na televisão.
Dar de cara com essas constatações não é ter um panorama trágico do que vem acontecendo ao jornalismo cultural na tv. É apenas a realidade. Isso não quer dizer que o passado era uma maravilha e nem que o futuro seja um caso perdido. Mas dá para ter esperança se formos imaginar nos ciclos de conformismo e inquietação que se alternam entre as gerações. Quiçá apareça gente talentosa para desafinar o coro dos contentes e colocar o jornalismo cultural televisivo no seu devido lugar que é além de informar o que está disponível no mercado ajudar o seu telespectador a discernir o joio do trigo sem preconceitos ou falsos juízos. Missão difícil mas não impossível.

Ricardo Soares/madrugada de 8/4/2009.

Comentários

Groo disse…
Poxa, Ricardo, depois de tão longa e sincera explanação, só me resta parabenizá-lo por estas palavras.

Bacana este trecho também: "O que importa não é ser , é parecer ser, é convencer ser, é ter-se em alta conta para que todos sejam convencidos de que você, culturete do momento, está em alta conta mesmo". Mas nesse meio todo, com a divulgação de "cultura" pra lá de questionável na TV, não rola um "jabá" também? Sou ignorante nesses assuntos relacionados à TV, mas por estes lados da Baía de Todos os Santos, que outrora "produzia" gente como Caetano, Gil, Gal, Tom Zé, Novos Baianos e hoje "produz" Claudia Milk e "Vai rolar a festa", tem "artista" tão desesperado por mídia ( leia-se TV) que topa qualquer negócio. Até pagar para ter seus 15 minutinhos de fama perdida novamente. Vê-se muito isso no carnaval, principalmente.

Ah, taí, o carnaval é um bom exemplo! A Band transmitiu o carnaval de Salvador e Recife. O de Salvador, convenhamos, hoje é uma festa feita para o turista e para a TV.Os "artistas" cantam uns 5 minutos e ficam uns 10 minutos conversando com as câmeras. E a briga é ver quem passa entre 8:15 e 8:45, que é a hora do Jornal Nacional :) Pois bem, aí a Band mostra o carnaval de Recife/Olinda. Quase todo mundo acha muito chato. Não é um evento midiático, aliás eles não demonstram muita preocupação com isso. Não estou acirrando aquela discussão boba de "Recife tem o melhor carnaval do mundo" e "Salvador tem o maior carnaval do mundo". É interessante perceber como vendem as festas, como tratam-na como um produto, no caso de Salvador, para a TV e turistas.

Interessantíssimo o que você falou sobre a periferia. Sabe que eu não vou com a cara da Regina Casé? Quem sou eu....mas pra mim tem aquela pose de que "eu sou aquela que tá dando oportunidade pra vocês, cambada, mas faz alguma coisa engraçada ou curiosa aí na frente da câmera". E ela acredita que seja a "fodona"( desculpe o termo). Ao menos é a impressão que me passa, pode nem ser. E Racionais MC's, o batidão carioca ( que se tornou bem mais aceito, digamos assim, depois que a Globo começou a "subir o morro" e trazê-lo para as novelas - aquela atriz Mariana Ximenes, fazendo papel de menininha rica dançando funk em uma novela, por exemplo - enfim, nesse rolo todo fico com aquela afirmação do Mick Jagger, que dizia sentir-se "descartável" (lá nos anos 60) e com o Freddie Mercury que afirmou fazer "pop descartável". Sacaram o que estava acontecendo, mas eles permaneceram, de alguma forma. Hoje tudo vigora no signo da efemeridade e a TV é o veículo perfeito para isso, pois reprise o tempo todo não vale ( a não ser o Vale a Pena ver de Novo).

Neste turbilhão todo (sei que já estou saindo do tema e escrevendo muito, mas prometo que já encerro) e em um país onde a TV está presente em mais de 90% dos lares e constitui-se a única fonte de informação e entretenimento para a população, pobre da escola! E não tem jeito: se o professor quer "chamar a atenção" tem mesmo que contextualizar. Mas o que ele contextualiza? A realidade de "Caminho das Índias" e o bairro da Mata Escura, na periferia de Salvador. Repare que o professor parte primeiro da TV para depois chegar à comunidade. É contextualizar os "guerreiros" do BBB com os "guerreiros" que saem de casa antes das 5 da manhã para o trabalho. Por isso eu até brinco com meus colegas ( sendo eu professor também da rede pública): o planejamento das aulas de vocês deve contemplar a grade curricular fora da escola, ou seja, a Globo, a Record e o SBT. É uma brincadeira, mas com um fundo de verdade.

Ufa! Chega! Escrevi muita coisa. Pena que pouco se aproveite. Mas taí...

abs e bom feriado pra você! E parabéns pelo texto, mais uma vez.
O teu texto é tão legal por TANTOS aspectos, e o comentário do Groo tão legal por outros, que entrei aqui mais para parabenizar ambos!...
Para não dizer que não "palpitei" em nada, essa coisa do "jabá" é MEGA séria, corrói a emergência de talentos mais espontâneos, e não é de hoje...
Marisa Monte e Ed Mota não são talentos assim tão "espontaneamente revelados ao público", não é mesmo? Cássia e Adriana (essa, eu e Gustavo Barbosa vimos chegar do RS toda esculhambadinha, morando na casa de amigos na mesma vila que nós) até pode ser...
Mas em "impecabilidades" não só não acredito, como acho meio duvidosas...
A moçada começa brigando por ESPAÇO; ficam os que o TEMPO mostra que era ARTE o que eles faziam...
Pais e mães do povo televisivos podem ser tão prejudiciais quanto os governamentais; tenho medo, igualmente...
A tal da "atitude" é exigida, sem dúvida, infelizmente; muita gente que não se comportaria desse "jeitinho x" se comporta ali, na hora em que está precisando do espaço da indústria cultural, porque se sente exigido nisso, como se essa "atitude" fosse um passaporte.
Uma vez, na reabertura do Teatro José de Alencar, em Fortaleza, fui assistir a uma apresentação do Koelroiter (não sei mais escrever o nome dele, desculpem-me!) com o Zé Celso, a quem o Aderbal tinha acabado de me apresentar. Ele estava um príncipe, um guru zen...Tranquilo, calmíssimo, chiquérrimo, exibicionismo zero. Fiquei impressionadíssima...
Mas respeito e compreendo! É como querer ir na China; um pouco de chinês você vai ter que falar, para ter acesso...
Alguns Psicólogos, especialmente os que se preocupam com o trânsito dos indivíduos pela Cultura, costumam transitar os universos da Arte e da Indústria Cultural, não necessariamente em seus consultórios...
PARABÉNS! Me deu a maior vontade de ser sua aluna!
BJS (para ambos)!
toda pura disse…
Acho que estamos irremediavelmente presos e atados, ainda que inocentes, ao capital das grandes corporações. Não só na área jornalística, mas também em tantas outras, como, por exemplo, na medicina: os remédios que tomamos, tantas vezes desnecessários e responsáveis pelo agravamento de doenças, também são fabricados e indicados aos médicos que os receitam pelas grandes empresas farmacêuticas que acabam por impedir a entrada no mercado das alternativas mais...naturais.
Em nossa área, o jornalismo, isso fica apenas mais evidente e notório. E também conta com a conivência de preguiçosos e "viciados" profissionais que se contentam em noticiar o que já lhes chega pronto, com fotos, videos e textos produzidos envoltos em embalagens lindas e lançamentos festivos, excelentes rega-bofes de "catiguria" duvidosa...
Somos ao mesmo tempo vítimas e algozes de nós mesmos. "Quem somos nós que nos observamos"?
Foucault é um excelente nome que pensa esse fenômeno midiático. A teoria do poder panóptico exercido sobre nós pela sociedade/capital contemporânea, e adaptado por Muniz Sodré para o poder da televisão sobre nossas vidas, é ótima, talvez vc possa usar em suas aulas para pensar o jornalismo cultural...
O que nos resta fazer? Até a pseudo-ousadia já me parece forçada. Às vezes me sinto simplesmente reproduzindo o já feito, o já sabido, o já noticiado, só com uma roupagem diferente (o que, diga-se de passagem, já é alguma coisa...).
Parece que as coisas já nascem embaladas, que não existe mais "vanguarda". Aquele papo de "a História acabou", saca?
O próprio discurso de artistas de periferia já me soa plastificado. A vida parece plastificada...
É o que o Ítalo Moriconi falou em entrevista ao programa Revista Brasil: estamos todos inseridos dentro da indústria do consumo, não há como fugir disso. Qualquer discussão à respeito, está, também, dentro desse processo.
O negócio, então, me parece, é "manter a mente esperta, a espinha ereta e o coração tranquilo..."
Victor Colonna disse…
Parabéns pelo texto. Sou poeta e criei um blog para divulgar poemas e crônicas, pois em matéria de poesia, é complicado até colocar os livros na livraria, quanto mais chegar à tv! (rs).Meu blog é: http://www.deitandooverbo.wordpress.com
Linkei teu blog lá, se puder, dêem uma olhada no meu. Segue um poema!

SUJEITO OCULTO (Victor Colonna)


O problema são as conjunções desconjuntadas
As interjeições rejeitadas
Os adjetivos desajeitados
Os substantivos sem substância
As relações de deselegância entre as palavras.

É preciso superar o superlativo:
O absoluto sintético
E o analítico.
Achar o verso
Entre o verbo epilético
E o pronome sifilítico.

Falta definir o artigo inoxidável
O numeral incontável, impagável.

Resta procurar o objeto direto
Situar o particípio passado
E o pretérito mais-que-perfeito

Desvendar a rima
Desnudar a palavra
Encontrar o predicado
E revelar o sujeito.
Adorei o texto professor q ñ assim se auto-intitula, mas ainda o está sendo p mim. Mto bom seu blog e textos. Vou visitar sempre agora e se quiser uma hora dê uma olhadinha no meu, apesar de ainda ñ ter nada mto interessante por lá.

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