Olhar angolano

Olhares , rezam as lendas, perturbam, enlaçam, motivam, secam pimenteiras. Quase clichê é dizer que um olhar vale mais que mil palavras. Desde que cheguei aqui em Angola , há quase três meses, busco o significado de alguns olhares que alguns angolanos dirigem a nós os estrangeiros, os "pulas" como são chamados os brancos ou mais claros aqui. E olha que somos vistos (nós,pulas brazucas) com certa deferência,o mesmo não podendo se dizer dos olhares que eles lançam aos “tugas” os portugueses, portugas. É justificável após tantos anos de colonização portuguesa, da qual só se libertaram em 1975. Mas volto ao olhar . Várias vezes enquanto falava em grupo ou dava alguma instrução a um grupo de colegas angolanos flagrei olhares tão profundos e perscrutadores que não sabia se neles estavam embutidos ressentimentos, tédios superlativos ou um certo desprezo mal disfarçado. Não sou das pessoas mais discretas do planeta, muito menos um tipo que passa desapercebido. E não falo isso pra me ufanar de mim mesmo. É que com 1.86 de altura, quase cem quilos, gesticulador e falante, eloqüente e ansioso muitas vezes me empolgo em explanações que podem ser redundantes. Em algumas delas percebo estar sendo observado por esse olhar que no fundo me incomoda. Simplista ou não é um olhar de abismo. O mesmo abismo que separa o nosso mundo , americano latino, do mundo africano. Vou embora daqui sem entender esse incômodo olhar angolano.

Comentários

Ahhh Ricardo..., o que lhe dizer?
Seria mais fácil lhe falar; tecer comentários sobre 'olhares' - uma coisa tão profunda que mexe com alma - é no mínimo imprudência.

Olhar de abismo: foi muito bem dito por você. Acho que nada do que eu diga esclarecerá mais do que o seu olhar à esse olhar.

Considero esse olhar, o da alma.
Como o lemos com a nossa, fica a questão pratica; meio sem resposta.

Nada a ver com vc, nem com uma situação comum:
bebi, fumei um baseado, e me meti a falar num grupo que não conhecia de pessoas de periferia. Apanhei olhares, mas não dei a devida atenção. Ouvi palavras, mas não dei a devida atenção.
Nem vi de onde veio a porrada. Saí defendido pelas mesmas pessoas que abrigava o agressor.

De minha parte, considero hoje, que um olhar de abismo todos os temos. Nos africanos, esse olhar deve ser universal. Mas não só neles que ele é.

Abrçs.

(Se os portugueses o tivessem notado, não teria havido a tragédia de 1961, neste mesmo país que vc está).
Este comentário foi removido pelo autor.

Postagens mais visitadas