"AS BENEVOLENTES” E MEU FRACASSO LITERÁRIO

Sempre que inicio nessa mídia qualquer texto de caráter confessional já me culpo por antecipação. Será que é assim ? será que blog se presta a esse serviço também, mesmo que aquilo que estejamos “confessando” só interesse a nós mesmos ? Pelo sim,pelo não,eu o farei. Nunca fui de dar bola pra torcida,não é agora que vou mudar.
Pois sim.E por falar na torcida é que acho mote para entrar na confissão. Ao lado direito do computador três livros a esmo. Também à direita, logo acima, mais e mais livros em prateleiras,sem contar os muitos outros que se espalham nas enormes estantes da sala e centenas de outros que jamais resgatei desde 2002 quando me separei e sai de um apartamento na Vila Mariana. Estão lá,guardados, e empoeirados esperando pelas minhas mãos sempre ávidas de folhear e aptas a constatar junto com meus olhos, coração e mente que a literatura é um amor antigo mas inviável pra mim.
Vou continuar lendo. Muito e sempre até para me certificar do quanto sou ignorante porque o que acabei de aprender instantes atrás lendo um livro eu não sabia até ter acesso a ele. Uma vida é muito pouco pra todos os livros que os bons leitores gostariam de ler. No entanto ao ler sempre venho sedimentando a certeza – que na verdade sempre existiu,eu só a negava – de que tal é o grau de excelência de muitas das obras literárias que já foram produzidas que por mais que eu me esforçasse não conseguiria nem chegar perto de quem eu realmente admiro. Isso faz com que eu me torne cada vez mais um escritor pra dentro e um leitor pra fora. Um leitor que tem prazer de escrever e de falar sobre aquilo que degustou mas um escritor que não tem mais nenhuma vontade de reescrever aquilo que já escreveu, freqüentar panelinhas, editores ou hordas literárias pra tentar vender meu peixinho modesto numa feira onde se oferecem tantos produtos malcheirosos vendidos como lavandas balsâmicas.
Escritor pra dentro. Pra consumo próprio, se é que alguma vez na vida já fui um escritor pra fora com tão poucos livros infanto-juvenis publicados e um único romance adulto levado ao público com retumbante fracasso de vendas apesar de críticas favoráveis. Mas,e daí ? Mas tudo se resume mesmo a um enorme e retumbante e daí ? e daí quando a literatura ainda busca seu lugar nesse planeta midiático ? e daí quando o que conta é o autor ser marqueteiro de sua própria obra ? e daí quando todos os valores que mensuram a qualidade de um livro são subvertidos pela lógica de mercado ? E daí que desisti simplesmente. Não o faço num tom dramático, mas apenas como uma constatação que achei que em outros tempos seria dura de encarar.
Simplesmente constato que renuncio a essa altura da vida a qualquer pretensão, reconhecimento ou glória literária para consumir, com gosto,aqueles que tiveram mais sorte, mais empenho, mais liberdade e mais talento do que eu.
Se dúvidas ainda existissem acerca desse racional raciocínio elas seriam todas dinamitadas após a conclusão, hoje, da leitura de um colosso literário, tijolão de mais de 900 páginas chamado “As Benevolentes” de autoria de Jonathan Littell, nascido em Nova York em 1967, de família judia, e educado na França. Filho do também escritor Robert Littell ele trabalhou no grupo humanitário “Ação contra a Fome“ e a partir de 2001 mergulhou em frenética pesquisa para conceber a maravilha que é “As Benevolentes” publicado na França em 2006 onde foi reconhecido com boa vendagem e com o prêmio Goncourt.
Do que trata “As Benevolentes” ? Simples dizer que apenas dos horrores da Segunda Guerra Mundial contados pela perspectiva de um graduado oficial nazista, o inesquecível e execrável Maximilien Aue, jovem alemão de origem francesa que participa como testemunha ocular e ativa de episódios como a batalha de Stalingrado, o massacre e execução dos judeus, inclusive nos campos de concentração e da derrocada melancólica da Alemanha de Hitler, ao fim do livro, aliás, das partes mais viscerais do romance.  

Eu poderia estar aqui enchendo de adjetivos essa beleza literária escrita por um autor mais jovem do que eu. Poderia estar tentando análises simplistas ou me metendo a resenhista como já fui no passado. Nada disso. Estou aqui apenas a recomendar mais uma maravilha, disponível nas boas casas do ramo, que só reforçam a minha tese de me tornar apenas um escritor pra dentro e não pra fora. Pra que mais literatura titubeante em meio a tanta coisa boa ? para que ficar achando que a literatura brasileira atual tem algo de realmente expressivo quando sabemos que está aí mirradinha, mal composta por tantos pseudo-geninhos ? Não se trata aqui nem da famosa “angústia de influência” da qual nos fala Harold Bloom. Trata-se apenas de um choque de realidade. Que vou eu acrescentar aos 50 quando Camus ganhou um Nobel aos 47 com escritos superlativamente melhores ? O jeito é enfiar o laptop no saco ler mais autores como Jonathan Littell e esperar que numa próxima “encadernação” Allan Kardec esteja certo e eu regresse em outra época e de outra forma com outro fôlego e talento para ganhar dos moinhos de vento.

Ricardo Soares, 25 de maio de 2010, 16 e 45

Comentários

Tania Celidonio disse…
AS BENEVOLENTES..... Quando compei não imaginava o horror e o talento que tinha em mãos. Grande escritor esse menino jovem que compôs 900 páginas incríveis.
Quanto ao restante do seu texto, meu querido,não são nada fáceis algumas constatações.
Mas você é um leitor pra fora e um escritor pra fora, já que nos brinda todos os dias com suas frases no twitter, pensatas no Face Book e artigos no blog. Já não é bom demais?
Pero,não desistas, porque que las hay, las hay... lá juntinho com Alan Kardec.
Arilo disse…
Muito bom esse post. Gosto muito de quando este blog vira espaços para dicas literárias. Tenho seguido algumas e gostado muito. A última foi Os Dez dias que abalaram o mundo... Não perderei a dica de As Benevolentes, que eu desconhecia... Abraço!
Angela disse…
Ricardo,
Tá, o livro ,o autor podem ser mto bons mas daí vc escrever um texto como se tivesse apanhado na cara como um canastrão, é demais.Imagino que não seja nada fácil ser escritor nesse país mas, vc é mto bom; culto, inteligente, escreve de maneira requintada sem sr arrogante. Escreva para fora, tem mta gente que gosta e quer ler vc.
Acredite, vc é uma pessoa que vale a pena viver e escrever.

Bjs
Intrépida disse…
Ai, você me perturba viu!

Saiba que meu maior esforço “intelectual” tem sido descobrir como um ser humano consegue comer 2 quilos de carne, com todos os acompanhamentos imagináveis, num um programa bizarríssimo sobre gastronomia, da TV a cabo, e não morrer! Cáspita! E você vem com esse papo de literatura! Sai pra lá jacaré! Malvado! E ainda diz que se lembrou de mim depois que escreveu o texto? Tortura chinesa, né? Ao invés de pingos insistentes nos ouvidos você traz pensamentos! Argh. Isso dói, viu?
Mas, bora falar de literatura... essa coisa sadomaso.
Li, reli seu texto, lembrei das nossas conversas sobre esse assunto nos cafés da vida, acompanhados sempre de torta mousse de limão ou qualquer outra porcaria doce que tanto gostamos (e que você não pode mais comer!), e, meu querido, só tenho uma coisa a dizer: NÃO ACREDITO EM NADINHA DO QUE VOCÊ DISSE.
Você é e sempre será escritor. Ansioso por leitores, por feedback, por saber se aquelas letras “bateram” em alguém. SADOMASO. Publicando ou não, a escrita faz parte da sua vida. Indiferente se pelo blog, uma coluna no jornal, ou um livro. Você escreve. É assim que é. Essa coisa de “escritor pra dentro ou pra fora” – balela! – é só para você justificar (pra você mesmo) a sua não desistência da escrita. Se ninguém te contou, conto eu: VOCÊ NÃO DESISTIU.
O que vejo é alguém que conhece muito, leu muito, sabe muito, sendo massacrado pela autocrítica. Fico imaginando... (já que você citou Camus) se ele em algum momento pensou em Victor Hugo, ou Baudelaire, ou, Sartre ou Beauvoir. É preciso ter um pouquinho de imprudência, de tolice, de falta de juízo, para escrever. E você sabe bem disso. Acho que os 50 anos te deram juízo demais!
Não transforme letras em ovos. Tá pisando delicado demais. Não precisa. Tem que fazer o “ritual” da uva e vinho com as letras. Pisar, dançar em cima delas, para extrair o máximo possível. A idade é uma aliada. Não um problema. Não confunda seu “ofício” de artesão, com a quinquilharia social. Também não aguento as rodinhas da “intelligentsia literária”. Mas, provou Salinger (e outros) que você pode ser recluso, e, escritor. Pode ser insuportável, e, escritor. Pode ser esquisitíssimo ou bandido ou completamente normal, e, escritor.
Escreva. O resto é confeitaria. Feito nossos doces amados. Não desista de publicar. O pior que pode acontecer é receber um “não”. Ou alcançar a “glória” pós-morte. E daí? Você tem o que dizer e sabe fazê-lo melhor do que muito “Jabuti” por aí. A única coisa que precisa é se livrar das “amarras” que anda botando em tudo. Idade, mercado editorial, blá blá blá. Você é e sempre foi escritor. E isso, DEFINITIVAMENTE, não é uma opção e sim uma necessidade.
Quanto a mim, não... não vou desistir, nem desperdiçar meu “talento” – como você se preocupa. Só não estou pronta. Quem me dera ter a vivência que você tem!!!! Técnica, você sabe, não sustenta literatura. Basta ver os “bonitinhos” que circulam hoje por aí. Tem que ter o que dizer. Mas, aos 31, estou treinando. Não dizem que a ignorância é atrevida? Pois bem! Quando sentir que tenho o que dizer, direi, escreverei. E, não estou nem aí para o mainstream literário.
Não tenho nenhuma vocação para ser social (você bem sabe!), estou mais perto de Salinger (em sociabilidade e humor..rs)! Ou melhor, de Hilda Hislt. Quero viver num “sítio” bem longe da civilização, quero uma “Casa do Sol” para enlouquecer um pouquinho (ou muito), ter gatos e cachorros espalhados pela casa, beber até falar muitas bobagens (se desejar), incorporar espíritos de outros escritores só por diversão, receber os amigos, fazer pequenas orgias, reclamar (claro!) e, escrever, escrever muito. O resto, dane-se. Como você disse outro dia, EU sou VOCÊ de saia... Underground. Entendeu?
Deixei a coisa mais “sábia” (tsc tsc), o conselho mais contundente para o final:

Trate de continuar escrevendo e PARE de bobagem senão te dou um SOCO no nariz!!!!

Beijos! :)

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