Uma história de 30 anos de amizade

Primeiro explico quem é o caboclo aí do  lado : Julio Saraiva, paulistano, jornalista e um bom poeta à moda antiga. Pois esse artista hoje me premiou com palavras amáveis e citação gentil de trecho de uma poesia minha no seu blog, que aliás recomendo vivamente,  (www.currupiao.blogspot.com) , uma maneira  mais do que amável de celebrar nosso reencontro virtual que se deu em páginas do Facebook e agora nesses nossos blogs onde tentamos levar o peso do mundo...dramático ? não, apenas direto. Para dizer que somos homens cunhados em outro tempo, talvez aquele da delicadeza perdida, para citar aqui uma alusão poética de Chico Buarque. Éramos jovens e trabalhavamos na redação da Bloch Editores  (revista Manchete, etc) aqui de São Paulo, ali no palacete da avenida Europa, 21. Comecinho dos anos  80 e entre  risos, bebedeiras,inquietações, carnavais passados discutiamos muita literatura e poesia na casa do Julinho que morava com os pais e a então esposa ,Vera, num casarão da rua Antonio Bento, coladinho no Ibirapuera. Nosso grande amigo em comum ,até hoje, o senhor Walterson Sardenberg Sobrinho por mim alcunhado Berg, apelido que pegou, e por mim e pelo Julinho chamado  de "jovem" epíteto que lhe pespegamos e com o qual até hoje o tratamos. "Jovem" é uma espécie de Dorian Gray que não se leva a sério por sorte. E por isso o amamos.
Lugar comum é dizer que amizades, sobretudo as longevas, são lindas histórias de amor. A minha com o Julinho é uma delas,a minha com o Berg é outra delas. O nosso trio é outra delas. Mas isso é outra história. O que vim fazer aqui nessa manhã de sábado além de agradecer o Julinho e celebrar sem melancolia um passado remoto foi dizer que mais que tudo considero o meu amigo um poeta de mãos cheias. Anacrônicos nós, os que ainda tem esse vício solitário da poesia. De ler e escrever poesia. Do meu jeito, uma maneira quase clandestina. Como um hábito que não consigo evitar, uma beberagem que não consigo recusar. No caso do Julinho um jeito mais derramado mas mesmo assim acanhado. Ele é muito mais do que tantos poetas picaretas e marqueteiros que andam pululando por aí. Mas não vim aqui pra falar mal deles e sim bem do meu amigo. Entrem no blog dele e consumam a sua poesia e a de tantos outros que ele ali divulga. Os percalços de minha amizade com ele provocaram afastamento e jamais esquecimento. E o carinho e respeito recíproco entre nós  sempre se manteve intocado. Mais que um personagem de si próprio o meu amigo Julinho é um talento. Celebro os seus versos abaixo também dando vivas à tecnologia e aos tempos modernos que nas redes virtuais puderam promover um reencontro desses. Leiam abaixo o Julinho , o dono do currupião...


SONETO ÍNTIMO OU SEGUNDO AUTO-RETRATO

a mim mesmo, júlio saraiva, homem do mundo - e aos meus mortos, therezinha e jaime, meus pais, com saudade, que me deram liberdade para tentar ser gente - a eles consagro.


sou o silêncio de um navio cansado
poço fundo de tantos pesadelos
mas sonho sonhos bons mesmo sem tê-los :
sou conde num castelo abandonado

mas assim vou vivendo no ora-veja
debaixo das cinzas de quarta-feira
e sabendo que a vida é brincadeira
dou-me a qualquer mulher - se me deseja

se penso frevo canto marcha-rancho
e rio-me de mim - sinto-me ancho
sabendo enfim que a merda desta vida
não me fez quixote fez-me sancho

e mesmo olhando a dor desta ferida
valeu-me minha vida - foi vivida

na mesa de um bar da condessa de são joaquim,

meio bêbado, em 28-01-2010, logo pela manhã
__________________________

Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil

Comentários

Edu Campos disse…
Pô, Ricardo, não tinha uma foto mais generosa do teu amigo ?
Ele tá num boteco que parece um banheiro ou num banheiro que parece um boteco ?
iza disse…
Ricardo,
Lendo a crítica que Cristóvão Tezza, meu conterrâneo, faz hoje da obra de J. M. Coetzee, lembrei-me do modo como vc traz a experiência de ser poeta.
Essa é uma "tarefa ética" mais do que fundamental hoje ao olharmos pro mundo. Ela é uma das poucas possibilidades de alguma potência no contemporâneo, talvez por isso mesmo tornada "anacrônica" pelas artimanhas do poder. Diante de tanta falação vazia, inclusive pelos meios virtuais ( que podem ter muita potência de pensamento, justamente por alcançarem um número quase infinito de seres ) refugio–me olhando o mundo pelos olhos de vcs, poetas. É um bálsamo ético-estético prá alma.

Que a lucidez dessa tarefa dos escritores e poetas nunca morra!!!!!!!!!!!!!!

um beijo

Iza
Ricardo Soares disse…
E. Campos... é a foto que o Julio usa no blog dele...só roubei...

Iza... e quem disse que vc não conseguia comentar no blog ? não li o que o Tezza escreveu ( ele é um craque) mas vou atrás...quanto aos poetas, seus olhos generosos dão a nós importância que talvez não tenhamos nesse mundo cibernético... ao menos agora entrado em anos tb me admito ser poeta e me "desavergonho" de trazer à tona versos que passaram anos escondidos...não há de ser pior do que muitas coisas que são lidas hj em dia... hehehe...beijo pra vc e para o "jovem" Berg
Júlio Saraiva disse…
meu caro e.campos,
estou invandindo o espaço do meu amigo ricardo, só para comentar o seu comentário (comentar comentário é lindo). não é o botequim que é ruim, mas o dono da foto que não ajuda muito.
abraço,

j.

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