Sossega que só estou voltando de Sergipe

Como num tropical filme de Fellini estou na praia do Leme e no horizonte passa um enorme transatlântico vermelho. La nave va e segue a linha do tempo tirando o mar da linha do olhar e me jogando nas montanhas de Minas onde os matagais ardem e as cobras se escondem do calor abrasador. Do alto da serra vejo mais abaixo Catas Altas da Noruega numa época indefinida onde as luzes eram poucas, os queijos mais salgados e o meu pai vivo.
Faz calor na imensidão do rio Amazonas que quase cobre essa alva estátua de São José de Macapá. No que penso quando vejo o santo branco ali plantado a reger as marés de um rio ? Voadeiras passam, camarões no bafo são consumidos no calçadão e o governador imbecil acena para a multidão. Eita calorão no mundo dos igarapés, nos seixos dos rios profundos, na casa dos botos e das tartarugas.
O barco agora está parado e uma ariranha em busca de peixe tenta subir. Ninguém a afugenta e a bicha tenta. Ninguém espera aqui que o Pantanal dure para sempre mas quero pegar o trem da memória que o atravessa e cortar toda Mato Grosso rumo a Bauru, Cajuru, Cascavel ou até o hotel de luxo em Rio das Pedras onde a mulher aranha devorou o meu pescoço. Há sim o beijo que não é um mistério gozoso e me desmancho em resíduos que vieram da Venezuela onde o soldado corrupto me tira todo o dinheiro e quase me priva da vida. Fuzil parecido com o que vi no interior da Colômbia sendo alisado como um falo metálico pela guerrilheira de olhar vago.
Vago eu com meu lábio inchado de tanto falar. Histórias muitas para contar e sem platéias para ouvir eu deslizo lembranças que se cruzam como números que se sobrepõe numa calculadora. Acumulo mas não multiplico. Divido de um jeito esquivo quando canto alto para ninguém ouvir. Minha voz anasalou , meu sono melhorou e agora um trem de minério corta a periferia de Conselheiro Lafaiete enquanto eu bato queixo num hotel barato. Gentileza gera gentileza e o profeta me acena com seus salmos de louros de papel rumo a um dia virar cult no mundo dos vivos.
Meus amigos músicos me procuram com sorrisos e eu preciso tocar um instrumento. Mas não toco nem a poesia que sobre a ponte se anuncia suicida. Vai se matar jogando seu corpo etéreo no Tietê, no Tapajós, no velho Chico. Então, antes de mais nada, ela levanta poeira enquanto pousa . Ladina olha de lado e não acha interlocutor. Me vê ao longe encostado num jipe. Só para ter rima eu estou voltando de Sergipe e ali o forró comeu meus sentimentos.
Na praia da Atalaia abraço de pé um corpo forte e delgado e como amendoins moles pois o trocadilho de que a vida é dura não é mais suficiente para explicar o coração dos contrasensos. A vida tem cheiros, ares variam e não decoro historinhas , sou péssimo em contas e diplomacia, esqueci onde foi parar meu chapéu panamá comprado em Santa Catarina.
Sinto que o copo transborda, que o tempo escoa e que o café passou do ponto. As bananeiras brotam no meu quintal e vislumbro as parreiras da minha infância. Há um pedaço de mim por cada rincão pelo qual passei e quero que a frase vire letra de bolero. Abolerado blues de manteiga me compadeço da própria sorte e me certifico de que nasci para carreira solo pois é grande em mim a vocação para magoar terceiras. Minhas intenções são de quart0 e muitas vezes não passam da cozinha e essa é minha ladainha.
Pago milhares de pedágios pelas estradas mercantilistas quentes de asfalto nem tão nobre. Escrevo para ter esquecido que eu queria ser lembrado. Muito mais que um homem de cabelos brancos a vislumbrar o horizonte do Leme achando que o mar é vermelho.

Ricardo Soares
meio dia de 24 de agosto de 2010

Comentários

Edu Campos disse…
Nem publique o comentário, que é pura pretensão de leitor. Vou ser sincero: nunca gostei dos poemas que li aqui, mas este, inundado em prosa, esse ficou do cacete e deveria se chamar Atlas Sentimental Brasileiro.
Mas "Sossega que só estou voltando de Sergipe", parece nome de baião.
Leu em voz alta ?
Matou !
Ricardo Soares disse…
E.Campos... até por ser uma crítica honesta e sincera eu publiquei...hehehe...azar o seu... grande abraço
cristinasiqueira disse…
Que coisa gostosA!...DE LER.
Que rodada magistral em descaminhos do Brasil.E na hora a lembrança que adoça.


Bom demais.

Cris

www.cristinasiqueira.blogspot.com
Claudia Ka disse…
Ricardo, desculpe de apoquentar você voltando destaviagem maravilhosa a Sergipe. Eu estou postando em alguns blogs e me deu um clic* fenomenal de vir no seu cantinho, você que é tão tchuns prá polítiva e talz.
É o seguinte.
É sobre a propaganda eleitoral irregular. Já estão pululando pelo meu bairro tripés com fotos de deputados com seus números e seus sorrisos nefastos. Há Tripés destes nos faróis, nos canteiros das praças, só falta pregar nos pontos de ônibus. Só que a gente (povo) não pode assistir a isso e ficar calado. Se o povo botar a boca no mundo e houverem apreensões e multas isso pode parar. Ao invés da moçada ficar mofando em frente da TV vendo as barbaridades que acontecem no mundo, pode-se gastar alguns minutinhos indo no site do TRE e fazendo uma denúncia.

tre-sp.gov.br/denuncia/ - este é o endereço do TRE de SP. Tem que procurar o endereço do TRE do Estado onde mora o cidadão que tenha atitude na vida.

Tem que ter o nome do sujismundo e se possível uma foto do local da propaganda irregular. Se tiver foto é mais efetivo.

Imagina a sujeira que irão fazer se eleitos.

VAMOS DEDAR ESTES CANDIDATOS IRRESPONSÁVEIS E ESPALHADORES DE IMUNDÍCIES !!

Enfim, você pode passar adiante este chamado de tomada de atitude ao eleitorado que lê o seu blog ?

Tem até um site no youtube sobre as denúncias ao TRE:

http://www.youtube.com/watch?v=PttsoOKYLwc

Beijão.

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