EU, INGRID E A COLÔMBIA

        Ontem assisti a uma das raras entrevistas onde Jô Soares – apesar das interrupções fora de hora para deixar claro seu conceito de ética - deixou um convidado falar. Se tocou que a ex-senadora e ex- candidata a presidência da Colômbia , Ingrid Betancourt, tinha mais a dizer do que ele após quase sete anos de cativeiro na selva , refém das Farc. Ingrid está lançando no Brasil o livro “Não há silêncio que não termine”, um belo título por sinal.
  O livro me foi presenteado pela equipe de produção do “Roda Viva” que havia convidado a ex-senadora a participar do programa  mas que na última hora foi cancelado para azar dos telespectadores e meu que seria um dos entrevistadores. Tinha curiosidade profissional e pessoal de conversar com ela visto que estive em seu país muitas vezes entre 2001 e 2007 acompanhando a guerra interna que ali se trava o que resultou na realização e exibição do documentário “Colombianos” exibido pela Tv Cultura em 2007 e pela Tv Brasil em 2008.
       O tema Colômbia continua me sendo caro e daquele fascinante país não consigo me desprender pois algo me diz que ainda volto ao tema. É como se a Colômbia fosse para mim um karma do bem. Deixei caras amigas por lá e aprendi que eles se assemelham a nosotros muito mais do que imagina a vã filosofia maniqueista de nossa mídia. Aliás, por tudo isso, eu tinha interesse em trocar meia duzia de palavras com Ingrid.
  Um dos depoimentos mais contundentes do meu documentário foi dado justamente por Yolanda Pulecio, também ex- senadora e mãe de Ingrid. Ela me recebeu gentilmente no seu apartamento na zona norte de Bogotá em 2007 e seu maior terror naquele momento é que o belicismo celerado do então presidente Uribe empreendesse um resgate de risco que colocasse em perigo a vida de sua filha. Por sorte um ano depois Ingrid foi resgatada sã e salva num episódio pra mim ainda nebuloso . Sempre me parece que Ingrid está a ocultar algo em relação ao que sucedeu nos momentos derradeiros de seu cativeiro.
    Mas o que importa agora é ainda tentar entender o que se passa nesse nosso país vizinho mergulhado numa guerra interna que já dura mais de 60 anos e que parece não ter fim embora seus efeitos não se enxerguem de cara em grandes metrópoles como Bogotá. Fato é que continuam as disputas territoriais e politicas entre três grupos armados : os paramilitares, os guerrilheiros e o Exército regular da nação. Isso sem falar nos multiplos tentáculos do polvo do narcotráfico que estão entre governo, guerrilha e os mesmos paramilitares.
    Para mim a Colômbia é dos países que bem conheci o que menos faz com que nós brasileiros nos sintamos estrangeiros. Pode-se dizer, grosso modo e generalizando, que para o bem e para o mal a Colômbia é um Brasil que fala espanhol. Um país lindo , rico, bonito e brutalmente desigual com uma classe dominante predatória e muitas vezes assassina. Histórias trágicas por ali são corriqueiras, todo dia se processam e aumentam. Entende-se pois como um gênio como Garcia Marquez teve seu talento turbinado ao viver num abismo de paradoxos que é a Colômbia.
     Que os leitores me perdoem a presunção mas conheci bem e de perto a Colômbia e me indigno todos os dias de como a mídia nativa pouco ou nada conhece daquele país e como nos passa impressões equivocadas dele, geralmente a versão que as agências de notícias americanas pretendem que a América Latina tenha da Colômbia. A influência militar americana por ali é brutal e sente-se todos os dias até nos métodos grosseiros e violentos com que trataram Carolina Osma  (minha então colaboradora, coordenadora de produção do documentário por lá) diante da embaixada americana. Agentes disfarçados, armados e mal encarados a chacoalharam , grávida de seis meses, como se estivesse sacudindo uma boneca. Escrotos.
    Tentar entender a agonia e o sequestro de Ingrid Betancourt é para mim continuar a querer entender a Colômbia. Ela foi sequestrada em fevereiro de 2002 na estrada entre Florência e San Vicente del Caguan ,sul do país,  exatamente a mesma estrada onde passei em junho de 2001 , perto da festa de São Pedro. Ali era uma zona de distensão que depois foi anulada e a guerra voltou com força. Dizem que sendo Ingrid uma candidata presidencial sabia muito bem o risco que corria em ali estar naquele momento. Por seu lado ela garante que dançou porque lhe tiraram a escolta a que tinha direito. Pelo sim, pelo não, ela foi submetida a uma tortura psicológica de quase sete anos de cativeiro e emerge com um livro contundente como parece ser (não acabei de ler) “ Não há silêncio que não termine”. Pena eu não ter podido me  encontrar com ela. Queria ter lhe feito poucas perguntas que talvez me fossem suficientes para eu entender o enigma colombiano que há tanto tempo me fascina. Ou não.

Comentários

Helô Müller disse…
Assisti a entrevista de Ingrid não só no Jô, como tb no programa da Oprah... ( que, por sinal, eu adoro!! )
Fiquei impressionada com os detalhes macabros e a selvageria que fazem parte, obviamente, da violência a que ela foi vitimada!
Ela disse à Oprah que ficou aterrorizada na "cena hollywoodiana" de seu resgate, e que, somente, quando já dentro do avião, foi que todos tiveram a certeza de estarem a salvo!
Trata-se de um livro imperdível, sem dúvida alguma...
Gostei do seu ponto de vista sobre a Colômbia, e como não sei nada sobre o pais - além do "Narcotráfico e Cia" - nem tampouco assisti ao documentário, ( gostaria! ) achei bem curioso o seu enfoque!
Parabéns pelo texto e lamento que não possa ter cruzado com Ingrid!
Bj
Helô

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