O SENHOR DOS PASTÉIS...

      ( mais do mesmo livro em curso...)

      Assim chego a Praça Roosevelt muitos anos depois de 1975 quando eu a atravessava na quentura do meio da tarde depois de roubar chocolates Laka branco das prateleiras do Pão de Açúcar que ali havia. A eterna aridez da praça sempre me impressionou, um monobloco de cimento em busca do nada, um vazio urbano edulcorado por errantes, viados pobres,drogados,pestilentos e seminaristas espinhentos em busca de paus grandes.
    Sentei-me ali um dia a olhar os edifícios em volta e era a década de 70,fim dela quando a derradeira greve dos jornalistas de São Paulo paralisou muitas impressoras. Há gente dessa época que furou a greve e hoje foge das lembranças pois sabe que mais que trair uma categoria estavam ajudando a dizimar uma profissão que anos depois acabou . Pelo menos tal qual a conhecíamos.
  A década de 70 entrava por aquelas quitinetes de cimento entre uivos dos perdidos, gemidos dos amantes sodomitas ou a lamúria de quem perdeu algum ente querido nas mãos da repressão que ainda vicejava firme e forte para gaudio dos covardes.
     Mas na verdade nada disso me interessa , muito menos a politica porque já sabemos agora onde foi desembarcar toda aquela sofreguidão por liberdade e democracia e comícios pelas diretas, e eleições e casuísmos e oportunismos. Desembarcou aqui nessa noite de mormaço onde volta a reviver a praça Roosevelt entre palcos e promessas de melhores dias que não virão encenados a esmo nos teatros do entorno.
     De lá de cima , de um dos apês, um dos escritores do entorno avista a torre da igreja da Consolação e estrutura cinismos e taquicardias enquanto embolsa as migalhas de sua resignação de artista cordato fingindo-se de rebelde. Lá embaixo, nos bancos da praça ou naqueles que estão no entorno do balcão dos bares do pedaço um homem que vive de sua dramaturgia e pede que se atire no dramaturgo toma tiros porque levantou sua indignação contra uma violência gratuita.
    Esta é a nossa São Paulo para não amadores. A cidade que se esconde nos desvãos dos shoppings e das academias, a cidade que é apólogo brasileiro sem véu de alegoria e de onde me desentranho cada vez que caio nos braços cariocas das mulheres cariocas que nunca leram Marcos Rey ou Adelaide Carraro ardendo em febre pelo governador Janio.
     Janio fede fora do mapa . Morto , distante das vassouras, mumificado porque sua história não fincou raízes. E assim ,mais uma vez, essa cidade se descola de sua história bandeirante. Pois aqui o passado não tem sentido. Essa é uma cidade sem passado onde a esquina de ontem não será a esquina de amanhã pois sequer será adubada pelo sangue dos motoboys que abrem seus crânios nos meios fios em troco de salários mendicantes.
     Essa cidade é uma aberração com amnésia, um comédia rota que repete e repete e repete os mesmos erros enquanto o prédio do Banespa paira impávido sobre e acima do que restou do vale do Anhangabaú que não mais verá passar por ali o poeta Roberto Piva a perseguir faunos e insensatos para desabrigar dentro do seu coração cavernoso.
     Eu não como poemas com brocolis e os comerciais servidos ao redor da avenida São João decaíram de qualidade nos últimos anos enquanto ainda reina decadente porém eficiente o bauru do Ponto Chic . Sentei-me em uma daquelas mesas a observar a estátua da mãe preta do outro lado no Paissandu e diante de mim , com evangélica descrição, uma moça roia seu sanduiche passeando o picles entre os dentes enquanto , é quase certo, pensava em pecados muito mais cabulosos.
   Eu, senhor dos pastéis do baixo Glicério, desejei aquele corpo (...) 

Comentários

Maria Rita disse…
Um lindo Natal pra vc e toda a sua família!



Beijos Natalinos pra Ti
Francys Oliva disse…
Carissimo para por aqui mais uma vez para desejar a ti e para todos os seus leitores muitas felicidades e boas festas.
Um abraço em sua alma.

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