TAL QUAL A CENA DE UMA PORNOCHANCHADA

    (é mais um trecho do que estou a escrever...work in progress)


     Uma imunda casa de mate do outro lado da avenida é onde me escoro. Apoiado no balcão, enojado do copo que me dão com um chá viscoso, aspiro o ar poluído e o fedor do entorno e imagino que deva estar fazendo uma tarde bonita por trás dos prédios dada a intensidade da luz entre as gretas. Um bêbado de unhas compridas e imundas nos pés e mãos estende sua miséria pedinte em minha direção implorando por um cigarro. Mas não fumo e não aprendi a ter piedade por lumpens como esse. Não o encaro e ele se manda praguejando. Súbito me senti em uma cena de uma pornochanchada dos anos 70 e ri do pensamento especialmente quando me dei conta de que para a alusão e comparação ser completa deveria estar acompanhada de meia dúzia de palavrões e xingamentos.
    Nesse país divino, nessa cidade semi-devassa, inventamos um gênero cinematográfico único que marcou uma época e não deixou sucessores. Era composto de toneladas de palavrões, longos planos sujos e mal enquadrados, mulheres quase peladas, bebidas paraguaias, carrões importados , sapatos brancos e bicolores e camisas coloridas e péssimo som direto. E , lógico, muita, muita muita gritaria. Quando menos se entendesse dos diálogos melhor seria o resultado alcançado. No entanto isso virou arqueologia cultural.
   A minha digressão de casa de mate foi interrompida quando parou então perto do meio fio, bem próximo de mim, um menino magrelo de cabelos loiros meio revoltos. Seus tênis limpos e quase novos contrastavam com o jeans imundo e uma camisa meio avermelhada totalmente fora de época como se ele tivesse saído do mesmo filme que eu mencionava acima. Com um olhar meio inebriado, meio chapado, ele ficou me mirando , tossiu, passou a mão sobre os olhos, acenou e se mandou. A impressão subconsciente de que eu o conhecia me incomodou na hora. Mas não por muito tempo porque eu queria sair logo daquele antro sujo e pegar o metrô num horário em que não me espremesse tanto entre as almas penadas. Corri pois para a estação República. (CONTINUA,  se Deus quiser)

Comentários

Anônimo disse…
Belissimo texto. Compartilho muito dessas suas impressoes, sinto as vezes o mesmo quando rodeado por sao paulo, pelo centro da cidade, quando tambem a observo de algum balcao de boteco. Muita gente miseravel nas calcadas. Digo as vezes pois alguma coisa mais me toca, ha aqui e ali algo sublime, alguma lembranca antiga em meio a tudo isso, num tecido qualquer de um vestido de uma senhora que saiu com os netos do Braz, que lembra as estampas de minha falecida avó. Mas isso sao memorias, nem sei ao certo se vi isso, mas vejo coisas sublimes que como dizia quebram essa aspereza do que se ve ali no cento.
Sou do interior de sp, morei aí alguns anos quando estudava faculdade. Andei muito pelo centro sem dinheiro no bolso. Depois de formado e trabalhando fora dai, vinha pra passear, com dinheiro no bolso, e me diverita um pouco mais caminhando pelo centro, olhando as fachadas, a geometria dos edificios, numa tarde ensolarada. Paredes coloridas ou com bolor, meus olhos deslizavam e eu me distraia, contente.
Estou morando agora fora do brasil, estudando para meu doutorado, no canada. Estou aqui ha um ano, montreal é a cidade onde vivo. Nao ha pobres nas ruas, ambientes decadentes há, mas sem prostituicao ou algo como o que acontece ali pela roosevelt que descreveste acima em outro post. Motoboys ganhando miseria entao nem se fale, nao existe isso aqui. Ha exploraca coisa e atl, mas nada que se compare ao brasil. Brasil mesmo, depois de um ano aqui, me pequei outro dia escrevendo isso em papel, quando mandava uma carta com felicitacoes de fim de ano para os meus pais, e o sujetio do correio me perguntou o nome do pais para confirmar, e eu disse sim, brasil. Essa palavra soou tao estranha na minha boca, nao referia a um pais, mas alguma coisa como um abrasivo, um bombril, as silabas significaram em separado, e remeteram a outras coisas, objetos, nao a um pais. É como um nome a que se esta acostumado e nunca se para para sentir ou pensar a sua sonoriadade e a que ela remete. Mas o caso é que morro de medo quando tiver de voltar e me deparar com essa pobreza e abandono daí. Nao sou de amigos, essa coisa nos faz esquecer das agruras. Uma dentre as virtudes antigas é a amizade. Nao sei o que é isso.
Aqui em montreal só se ve pobre digamos, por opcao, se é que se tem controle emocional completo da vontade pela razao, o que nao é verdade. Os pedintes aqui sao pessoas que sofrem de algum disturbio mental, digo, depressao, dessa por que todos passam, mas mais forte, em grau mais forte, de modo que eles nao conseguem lidar com a realidade, emprego, familia, casa essas coisas. Ai pedem esmolas pela rua. A cada meia hora ou hora vc ve um desajustado desses, nao mais que isso. Que frequencia hein?! Mas o caso é que nao sei como vou me reabituar à pbreza e miseria que nos circunda, pois meu doutorado termina e daqui 3 anos volto. Apesar de ser daquela opiniao de que nao precisas mudar de ceu , mas de animo para enxergar as coisas, por vezes ainda acredito que tens de mudar de ceu pra mudares de animo.

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