VAI POR MIM QUE LÁ EM CASA É MAIS GOSTOSO...

(é um trechim de um livro que se pretende maior... será que vai prestar ? É uma digressãozinha de um personagem...)


      Vai por mim que lá em casa é mais gostoso. Não diria se não fosse,vai por mim. De manhã o café é mais cheiroso e o pão é mais quentinho e se você quiser, meu coração, eu faço tudo,tudinho bem assim devagarinho. Não te acordo no susto, te velo o sono, te cubro de beijinho, faço massagem nos seus pés, deixo o quarto na penumbra, tiro o telefone do gancho, acendo incenso , defumo o quarteirão.
    Vai por mim que lá em casa é mais gostoso. Os vizinhos são silenciosos, defronte da janela da sala tem uma varandinha suspensa e tem até uns jasmins que são visitados por beija-flores. A esquina da avenida fica distante e som de tiros só lá bem longe, no belo horizonte. Não tem ruído de serralheiro, martelo batendo, criança chorando, ovo fritando. Eu sei o que estou lhe dizendo. Passei tantos anos da minha vida treinando ser um bom homem que um dia eu ainda deixo de achar que estou ensaiando. Você devia me ajudar e me dar essa certeza, me cobrir de auto-estima porque ando assim muito nervoso achando que minhas rugas e as minhas cordas vocais combalidas são sinais vitais essenciais da decadência. Por isso acho que você deve me ajudar porque eu não tenho um irmão equilibrado, uns amigos do peito, uma mãe presente, uma infância feliz. Na verdade não tenho referências e você pode turbinar minha derrocada se não me acompanhar.
     Não é uma questão de estar ou não sozinho , é uma questão de pertencimento. Preciso pertencer a alguem, preciso ter uma capital dentro do meu estado de coisas. Sou cheio de figuras de linguagem assim, vai por mim. Eu me enrosco com as palavras mas é só através delas que consigo me explicar direito. Sou ruim de gestos, ruim de intuição, ruim de ação. Nunca consegui levar uma única mulher para a cama que fosse via abordagem direta. Minhas mãos suam, não sei nunca o que dizer, não sei fazer acontecer, não sei que pose por na cara , não sei dissimular, seduzir, oferecer uma bebida, fazer uma mulher se sentir desejada em público. Sou um pelo inflamado nessas situações. Empolado, embolado, desgramado. Uma porra de um computador desprogramado, sonso, sem sentido.

     Vai por mim que lá em casa é mais gostoso porque o colchão é box, a cama é megamax gigante master, os travesseiros tem penas de avestruz andaluz, as fronhas cheiram a jabuticabas e os lençóis tem fios egípcios. Na cabeceira da cama há frases de Buda, Bíblia de capa de couro aberta no Eclesiastes, e o “Livro dos Espíritos” do Allan Kardec. Tudo para o seu bom sono. Tudo pra te dar paz, placidez, felicidade e ,quiçá , um pouco de vontade de mim envolto nesses pelos curtos e nessas frases feitas a esmo. Um caboclo que olha as unhas dos dedos e tenta esquecer o passado na raiz do meu quadrado. Vai por mim que é assim. Papo de botequim. Que seja assim... (é duro mas a história segue)

Comentários

ISOLDI ROLOFF disse…
A sua paz e sua inquietação parecem as minhas, lá em casa é mais gostoso! adoro mato, adoro arte, adoro tudo que é divino! Parabéns, Ricardo, vc é o máximo!!! beijo!

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